04 dezembro 2009

Que se faça Natal


(Foto de Marat Sirotjukov)

Vem aí o Natal.
Dezembro, mês do frio… muito frio!
A cada dia que passa, a tristeza e a revolta invadem-me mais a alma, são o meu pão de cada dia. Imagino as mesas postas, com toalhas alegres e coloridas, cheias de doces, filhoses e outros fritos polvilhados de açúcar e canela. Mesas fartas de saborosos petiscos e carnes variadas. Crianças a correrem pela casa, com os sorrisos alegres de quem nada lhes falta. Elas sabem que as prendas já estão à sua espera, dentro dos embrulhos atados com os laços prateados e dourados. Em cada lareira crepita um lume aconchegante que aquece lares e corações.
E eu… eu passo por um período difícil na minha vida, que nunca pensei possível de me vir a acontecer. Sinto-me impotente para sair deste mundo cada vez mais ruinoso, à beirinha de cair num poço sem fundo. Já perdi tudo o que era possível perder, até a dignidade.

Eu também tive uma família na qual punha todo o meu orgulho. Linda, harmoniosa, que dava gosto de se ver, até ao dia em que a adversidade me bateu à porta e me foi, aos poucos, deixando na rua da amargura.
Vi o sol a desaparecer do meu dia e este precipitar-se numa noite sem fim, quando os primeiros raios da crise deram o seu sinal, numa casa onde nunca tinha faltado nada. E tudo o que tinha vindo a construir, com todo o empenho, se foi desmoronando como um castelo de cartas.

Os meus fantasmas atormentam-me continuamente. Foi o meu desemprego inesperado e algum tempo depois a falência da pequena empresa da família.
Como é que se pagavam as prestações dos carros, da casa, da mobília? Tudo teve que ser vendido, por muito menos de metade do preço de compra original, para pagar as dívidas, e não chegou. O cartão de crédito foi gasto até ao limite. Em vez de uma casa, passou a ser um quarto alugado para dois adultos e duas crianças. As crianças começaram a ir muitas vezes para a escola sem pequeno-almoço e sem nada para o lanche, quando não sobrava nada para lhes dar de comer. E aconteceu a ruptura familiar, pois “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. E as crianças foram levadas para uma Instituição porque estavam em risco.

Dizem que uma grande dor sozinha mata menos do que muitas mais pequenas. Não sei, mas talvez... porque as facadas que me têm sido sucessivamente espetadas, me levaram a ir definhando lentamente até que, um dia destes, tudo se poderá vir a consumar definitivamente, por aí, numa qualquer sarjeta.

Agora só a miséria mora comigo, ou eu com ela. Eu sou este corpo à espera de uma qualquer cama ou canto onde afogue a pobreza, onde esqueça as cores gélidas de um frio que se me entranhou nas carnes já decepadas de um espírito que um dia foi luminoso, para ser, em cada dia, protagonista num espectáculo da fome.

E é sempre a mesma coisa todos os anos por esta altura. Lembra-se muito os pobres, dá-se umas esmolas aos pobrezinhos, uns caldos, umas sopas de Natal e depois cada um vai à sua vida até ao ano seguinte, porque já descarregaram a consciência. Como se o pobre só comesse uma vez por ano! Será isto espírito de Natal?
Eu sempre ouvi dizer que Natal é quando o Homem quiser. Mas se calhar, é só mesmo quando o Homem quiser!
Por isso é que os que tem o grande poder, capaz de reverter as condições das pessoas como eu, de vez em quando juntam-se para trocarem impressões sobre assuntos relacionados com pobreza… mas ficam-se pelos discursos e pelas jantaradas obscenas onde isso se discute, com os media a dar cobertura.
Queria que essa comida lhes soubesse a podre e a vomitassem em vez das palavras gastas!
Neste Natal, queria que a pobreza lhes entrasse por todos os orifícios do corpo... por todos os poros da pele.
Talvez que assim tivessem a real percepção do que é a pobreza... e compreendessem um pouco da verdadeira dimensão do Natal.

(M. Fa. R. - 04.12.2008)

01 dezembro 2009

Dezembro

Dezembro é Natal. É frio, é Inverno, é neve: tudo é branco. Até parece que gelam as estrelas. Os dias são pequenos e também cheios de chuva. Mas depois do Natal os dias já começam a crescer. E chega o fim do ano num repente. E deseja-se cada vez mais o tempo quente.
M. Fa. R. (17.03.2009) 


21 novembro 2009

O que dói



- Amooor, chega aqui!

- Que aflição é essa, homem?

- Oh amor, onde é que estiveste tanto tempo?

- Ora, já te fiz falta?

- Não sabia de ti… e perguntar não ofende.

- Sabes que não gosto que me controles!

- Ui! Gosto tanto quando te irritas!

- És um chato...

- Vá lá, chega cá...

- Que foi agora?

- Hum! Estás coradinha… cheirosinha… e, apetitosamente, és minha.

- Eu sei que sim.

- Mas que arisca que te finges… ou é da minha vista?

- Pois… tua sou, mas sou mais eu!

- Olha, estás a ficar muito cheia de ti!

- Não, enganas-te, estou cheia de ti!

- Que disseste?

- Que se amanhã não chover, vai ser um dia bonito.

- Mas o que é que tens? Não te estou a entender.

- Mas a verdade há-de vir à luz… vais só ver!

- A verdade, amor, é que vai doer.

- Sim, amor… mais do que amar, dói viver.


M. Fa. R. (18.11.2009)

01 novembro 2009

Novembro

 
Adriana Saez Paredes, Crisantemos

Em Novembro, o São Martinho: castanhas e vinho. E lume. E chá quente. Pois, frio. Geada. Roupa mais quente e aconchegada. Mês de saudade e solidão; de rosários de orações pelos entes queridos que se foram. Todos os Santos. Crisântemos são as flores que alegram o sofrimento das ausências.
M. Fa. R. (17.03.2009)

01 outubro 2009

Outubro

Em Outubro, as folhas das árvores ficam multicolores e caem … e caem as castanhas ao abrir dos ouriços. Já não há andorinhas nos beirais. A vida entra num ciclo de decadência. O tempo é cinzento; cheira a frio e a vento, que nos faz enrolar nos cobertores. E chove. Os chapéus-de-chuva viram-se do avesso, num misto de bonito e feio.
M. Fa. R. (17.03.2009) Adenda em 01.10.2009:
Gosto de ficar sentada a olhar para as folhas do parreiral a cair, embaladas (as folhas e eu) pela brisa morna da tarde... um sinal de que tudo tem o seu tempo; e de que há um tempo para tudo.

03 setembro 2009

Grito

 
[Edward Munch, O Grito]

Grito
Mas só me responde o eco.
Depois faço silêncio
Na escuridão.
Os sons abafados dos pensamentos
Surgem então como lamentos
Neste beco sem saída
Onde não sei ser chegada
Nem ponto de partida
Mas antes encruzilhada
De encontros
Desencontros
Desencantos
Ausências
Prantos…
Mas, ainda assim,
Vida.
É bebida de absinto
Que faz de mim labirinto
Charneca de desenganos
Claustros murados
Profanos
Um mundo de turbilhões
Ruelas de dor
Desalento
Velas rasgadas ao vento
Que sopra desilusões.
E grito
Mas só me responde o eco.

(08.08.2009)
Poema também editado em: Porosidade Etérea em 09.09.2009

01 setembro 2009

Setembro


Setembro traz as cores quentes do Outono e o regresso à escola. Traz a despedida do Verão e a nostalgia ao coração. Já traz chuva, e com ela, o cheiro agradável a terra molhada; mas não a suficiente para evitar que as fontes possam secar. É tempo afadigado de cortar o arroz; e tempo alegre de vindimar.

M. Fa. R. (17.03.2009)

01 agosto 2009

Agosto



Agosto tem trinta dias e mais um roubado a Fevereiro. Dizem que é mês de azar. Mas o que há no mês inteiro é calor, festas e amor. Os noivos vão casar; os namorados passear; e todo o mundo desfrutar das merecidas férias. Praia, mar, lazer, prazer… e luar. É mês de namorar e descansar; de procurar sombras refrescantes, regatos murmurantes, e momentos escaldantes; há sempre um ou outro par que se alheia do mundo para se beijar.

M. Fa. R. (17.03.2009)

10 julho 2009

Julho

(Jacquie Howard)

Julho é o mês [do preciosíssimo sangue] de Jesus. E das colheitas, das eiras, e de arrecadar no celeiro, a fim de ter pão para comer o ano inteiro. Há sol e abelhas com fartura; pelo que não é de descurar protecção à altura! Miúdos e graúdos absorvem a luz que se reflecte em si; e é algazarra e alegria nos seus trinta e um dias.
M. Fa. R. (17.03.2009)

25 junho 2009

A Solidão



Sentir-se rejeitado
Olhar-se mal amado
E pensar em si a culpa, o pecado

Mas não ler no peito a causa, o motivo
De não haver ninguém consigo
Alguém onde chorar, um ombro amigo

Tristeza, penas, abandono
Perde-se a alegria de viver
A alma adoece
E o rosto desvanece
Na vida amargo sono
De uma noite que não quer amanhecer

Quando a amizade é apenas utopia
E o amor unicamente uma ilusão
Sufocam emoções em negro dia
Como um arrocho enforcando o coração

É um olhar que nunca acontece
É um sorriso que tarda em chegar
É um verbo que sofre negação
É uma dor que te cobre como um manto
E transforma o teu rio em mar de pranto
E te assombra esse fantasma, a solidão

Mas se dela desprenderes o olhar
E granjeares uma réstia de luar
Nem tudo está perdido, podes crer
Segura firme a chama que alumia
Pois dentro de ti tens o poder
De transformar a noite em pleno dia

(22.09.2008)

Publicado na Antologia "Entre o Sono e o Sonho" (25.07.2009)


Foto de Jorge Soares

Foto e Poema publicados também em:
Momentos e Olhares (12.08.2009)

Obrigada, Jorge!

13 junho 2009

Junho


Ana Nunes, A Ceifa

Junho, dizem, é mês de foice em punho. É, por isso, o mês de ceifar os pastos, os trigais, em alegres madrugadas, recheadas de frescura e de alvura. É bom poder comemorar Portugal e Camões; e os santos Populares. É tempo de folia. Veste-se roupa mais leve, pois chega o Verão lá pelo São João. Nos seus trinta dias, brotam flores que lembram o paraíso, e com elas vem o sorriso.

M. Fa. R. (17.03.2009)

Adenda em 12.06.2009:

Hoje, as andorinhas pequeninas fugiram do ninho do beiral do telheiro e voaram alegres pelo ar; os pintainhos espreitaram por debaixo da mãe, saídos das cascas; e os gatinhos brincam todos três no alpendre ao sol.

01 junho 2009

Dia da Criança... Pobre

Por entre as cortinas de vergonha 
Que te separam de outro mundo 
Com teu rosto embaciado 
E sorriso desbotado 
Procuras o firmamento 
Mesmo que em pensamento 

És um actor 
Em palcos de negra via 
Com plateia que dormente presencia
O teu desempenho assustado
De gesto envergonhado 
Sem que a vida te sorria 

Criança pobre 
Triste 
Faminta 
Mal amada 
Maltratada 
Menino de rua 
Menina da favela... 

Quem dera no mundo 
Não mais houvesse 
Nem fome 
Nem guerras 
Nem doenças 
Ou sentenças 
Que te tiram a alegria 

Criança... 
Do lado de lá 
Ou de cá 
Onde mora vento e lama 

No reino da fantasia 
Adormece em leda cama 
Que hoje também é Teu dia!

(M. Fa. R. - 01.06.08)

14 maio 2009

Um princípio no fim

Um fim é como um princípio. No princípio: o início, a origem, o começo, a base, a causa primária; mas também opinião, lei, regra, máxima… No fim: o termo, a conclusão, o limite, o remate, o final; mas também intenção, alvo, plano, motivo… Se há um fim é porque existiu um princípio. E quando se começa é sempre no fim; se um fim acontece é sempre o início de outro algo que está lá para a frente. Começa-se por se dar corda a uma roda de balanço. Balança-se, toma-se balanço, gira-se em torno de um ponto cardeal – norte, ou oriente – e chega-se a uma altura do campeonato, que pode ser o fim, mas que é sempre um início. Uma meta: um ponto de partida num ponto de chegada. Completa-se um ciclo. Fecha-se um círculo; dá-se uma volta completa. Uma roda que roda, que gira e torna a girar. Uma volta que volta ao começo, em que já não há mais volta a dar… mas em que apetece recomeçar. Entre um princípio e um fim fica um intermédio, um caminho percorrido. Chegar ao fim de um caminho, e sabê-lo uma rota de descobertas, é uma vontade de ir mais além, um pouco mais longe: ganhar asas e voar. Cruzar céu, e estrelas, e lua, e também nuvens; arriscar ver o sol de perto e queimar as asas; explorar para além do limite conhecido, rebolar nos sonhos, saltar de um trampolim e… aterrar. Escrever: nas palavras riscadas dizer coisas que de viva voz não ousam aparecer; dar vida a verbos que na vida se esquecem de falar, escondidos que estão debaixo da língua, enovelados que ficam sob os anéis dos cabelos. Desafiar os próprios limites. Alinhar detalhes, pormenores, ritmos, ecos; juntar letras, marcar sílabas, compor falas, encher espaços, ensaiar, ler… e apagar; mandar espreitar pela janela o botão que não quer entrar na casa; espantar-se com as descobertas. Soltam-se objectos, sujeitos, predicados, complementos directos, indirectos… indirectas, metáforas, imagens, aliterações… emoções… acentos, vírgulas, pontos de interrogação, de exclamação, finais; lápis, canetas, papéis. Riscar a vida com a ponta do lápis: escrever, escrever, escrever. E, no fim, naquela hora, ficar tanto por dizer. No fim há sempre um princípio: escreviver!
(M. Fa. R. - 24.04.2009)

08 maio 2009

Maio



A deusa de Maio endereça o seu sopro às plantas e elas crescem; os rebentinhos aparecem em cachos de folhas novas; brotam as espigas e enchem-se de pão para o semeador. Alegra-se o coração ao sorriso do Criador. É o mês de Maria. O mês do coração. Mês dos amores. Há outras cores, outras flores, muitas flores… e abelhas.
Os dias começam a ser maiores e apetece a merenda. E o céu é todo azul.

M. Fa. R. (17.03.2009)

27 abril 2009

Lado de fora do mundo

(Imagem Gritos en Silêncio)

O sol nunca nasce para todos.
Não nasce para as crianças negligenciadas, maltratadas, esfomeadas de pão e de amor. Exploradas, traficadas, abusadas, abandonadas, abortadas. Não nasce para os idosos abandonados, roubados, maltratados, violentados. Para os pobres cada vez mais explorados, mais vilipendiados.
Há porcarias de vida deitadas num quarto escuro. Outras amontoadas num canto sombrio no fundo do quintal. Há delas esquecidas num fosso profundo, sem verem a luz do dia, nem qualquer claridade da noite.
Há mal que espreita, ronda, cerca, atola. Há mal a fazer das suas, mergulhando em amargura tantas mulheres inocentes que, depois de tanto tempo e lutas, continuam a ser oprimidas, exploradas, abusadas… traficadas. Há porcarias de vida deitadas num quarto escuro. E muitas são imundícies de quem chafurda num chiqueiro chique. Quando é a irracionalidade que comanda, todos os sonhos se esfumam, se asfixiam, transviados, mutilados, nas voltas de uma corrente, que prende, aperta, sufoca.
Quando chega uma desgraça, traz sempre companhia: vem sempre carregada com uma mala de roupa suja. É álcool; é droga; é violência. Conflitos geracionais. Violência nas escolas, violência doméstica… Corrupção; traições. Crimes contra a humanidade, contra a integridade física e emocional do homem. Tudo chagas sociais. Em putrefacção. Lixo. E há muito verme que se sustenta de toda essa sujeira. E que, por isso, tudo faz para que esta se mantenha; até para que se estenda como uma epidemia.

É preciso tirar do sono a natureza, agitar o sol, abanar as estrelas, gritar ao vento: que há gente a apodrecer. Têm de se fazer ouvir gritos de palavras sonantes, chocantes, bramindo como chicotes, que estalem e façam doer. É preciso um verbo forte, para ver se o mundo acorda desta cultura de morte. Não tem coração quem explora, rouba, viola, mutila e assassina um outro igual a si; ou mais frágil; ou a que tem o dever de cuidar. Onde mora o espírito de fraternidade, que promove a liberdade e a igualdade de direitos e de dignidade de todos os seres humanos? É preciso gritar!

Mas muitos dos gritos acabam por secar em gargantas cortadas. Afogam-se vozes amordaçadas. Voam pensamentos em calabouços de lamentos. Quedam-se, sem forças, as mãos. E os pés pesam no chão. E são braços que não abraçam o mundo. Pernas que vestem cansaços. Danças diárias de agitação, de confusão, de medo, de solidão, de minutos contados, esmagados. Tropeços em arame farpado. Bocados de lua mastigados para calar a fome. Retalhos de aflição. Pedaços de ilusão. Aparências. Fingimento. Mas mesmo que se finja, nunca se finge bem. Só mal. Tanto mal. Tanta maldade. Tanta dor. Tanto desamor. Há um lado de fora do mundo, em que o nevoeiro está sempre denso. O sol nunca nasce para todos.

(M. Fa. R. - 19.04.2009)

20 abril 2009

Noite comprida


 

“Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.”
Se o céu anéis tivesse nem que de eclipses de luas,
e degraus na terra houvesse
quando o arco-íris tocasse a terra e a juntasse às nuvens bordando ruas,
então subiria ao céu e por lá procuraria o esconderijo da lua,
o sítio em que se oculta quando não mostra o luar.
Mandaria que tivesse sempre o rosto luminoso, e a face negra calada,
para que sempre brilhasse.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e que essa luz se espraiasse por longe tocando o mundo.
Que essa chuva escorresse, lavando a dor do sal
das lágrimas que nascem do mal que há em redor oprimindo.
E que a neve branquinha, imaculada e pura, purificasse o olhar de quem só se vê a si.
Porque há uma noite comprida, de uma ansiedade vivida, em que o mal ataca o bem,
e que me deixa perdida, dormente e nauseada,
cortada e a sangrar, ferida por fora e por dentro.
Pois que eu, sufocando um lamento,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
E foi tal o meu estertor que até as nuvens coraram tingindo a areia da praia,
e a fímbria do mar, e o meio do mar, de sangue se cobriram,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
É como cicuta que rói, que envenena e mata todo o mundo e o apodrece,
uma maldade latente, uma crueldade vigente, no fundo da alma humana,
que sem respeito e amor, vai roubando a dignidade,
abrindo brechas e rombos ao pobre de qualquer cor.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Que a negou à boca do pobre,
e o arrastou pela lama,
que o abusou nessa cama,
e lhe desfechou facadas cruas, cruéis,
a esmo, com lança de baioneta,
deixando a porta aberta
à chacina e às injustiças sociais.
Maldito seja quem não vê
e quem lava as suas mãos, pensando-as imaculadas.
E aviltado seja aquele que, sem dó nem piedade,
rouba até o sol ao que já mais nada tem.
Pois onde não há justiça,
só a caridade, o amor, a solidariedade, são o único bem.

Ai, se o céu tivesse anéis,
daqueles com que eu soubesse que revolveria o mundo,
dentro deles, descendo, rodopiaria e nunca os largaria enquanto o bem não surgisse,
enquanto o mal não saísse, até que vagueasse errante, sem encontrar poiso algum.
E se degraus na terra encontrasse, daqueles por onde subisse para procurar uma luz,
eu calcorrearia o céu em busca do sol poente,
e quando o encontrasse, pediria que sempre luzisse,
e que nunca mais se escondesse,
que a terra precisa de luz.

(M. Fa. R. - 13.04.2009)

Inspirado em Herberto Helder: Se houvesse degraus na terra...

14 abril 2009

Nem morte nem vida

O corpo, morto, era o da sua mãe. E a mão, com sangue e pistola era a sua. Estupidamente, era o que fixava com o olhar petrificado. Ali estava, como em transe, sem sinais exteriores de emoção: nem choro, nem riso; nem tristeza, nem alegria. Para ela, naquela hora, não havia nem morte, nem vida. Quando chega a hora de matar é porque os ponteiros do relógio não apontam na direcção certa e o tempo corre desajustado. As horas antes e as horas depois correm desreguladas. Antes, porque alguma coisa leva aquela máquina a desacertar; e depois… depois já nada, nunca mais, será como antes. Antes – minutos antes, ou horas, ou uma eternidade antes – a adrenalina tomara o comando naquela engrenagem. Depois – agora – era estupor que dominava.
Antes, estudava no sofá da sala, sabendo-se sozinha em casa, quando o viu entrar e dirigir-se-lhe com um sorriso cínico, enquanto baixava as calças. E foi aterrorizada que o sentiu a atirar-se brutalmente a si, com um hálito nauseabundo a álcool e a fumo que não era de tabaco, e com aquele corpo pesado e asqueroso a esmagá-la, enquanto lhe rasgava a roupa, mais do que a despia, e lhe abria, de seguida, as pernas com violência. Gritou e debateu-se, e ele esbofeteou-a furiosamente, por várias vezes, fazendo-lhe saltar o sangue pelo nariz, e ameaçando-a de morte com a arma que tirara do bolso do casaco, se não ficasse quieta, intentando consumar aquilo a que se tinha proposto. Nunca pensou que uma coisa assim lhe pudesse acontecer. Aquele homem, que morava há poucos dias em sua casa, que dormia na cama da sua mãe, e que ela aceitara como fazendo parte da família, uma vez que a mãe assim lhe pedira, sempre tinha sido correcto, apesar de se ter já sentido intimidada com os seus olhares, em algumas ocasiões. Quando a busca do prazer não conhece limites, o ser humano é capaz de cometer qualquer atrocidade, com a mesma facilidade com que se deixa seduzir por uma roupa de marca. Quem sabe porquê, a mãe veio surpreender aquela cena e foi apanhada naquela teia: desesperada com o que via, acabou por se envolver numa luta corpo a corpo com ele até tombar ferida mortalmente por uma bala. Ele largou a arma do crime ali mesmo, em cima do sangue que jorrava daquele corpo ainda quente, vestindo-se à pressa na tentativa de escapar. Ela arrastou-se naquele mar de sangue, pegou naquela pistola e matou o assassino.
E, agora, estupidamente, naquela hora, para ela não havia nem morte nem vida. A mãe estava morta e ela era uma assassina. Saiu da apatia e vomitou. 
  (M. Fa. R. - 06.04.2009)

10 abril 2009

Abril



Em Abril ainda há frio e chuva, mas tudo é vida nova que se derrama. Mostra suaves manhãs em que apetece dormir, mas que são muito preciosas para caminhar.
Quando as nuvens choram e derramam as suas lágrimas sobre a terra, os campos reverdecem e parecem cantar. Cheira a verde. Começa uma liberdade a florir. Sorriem os lírios; canta o cuco. Apetecem as amêndoas. A Páscoa completa a poesia.
M. Fa. R. (17.03.2009)

04 abril 2009

A Chave




Quando Deus expulsou Adão e Eva do paraíso terrestre, vedou-lhes o acesso à vida sem fim. Não acontecesse comerem do fruto da árvore da vida, como comeram do da ciência do bem e do mal. E a árvore do fruto da vida eterna ficou lá. Fechada à chave e guardada por querubins.
Ora, Adão e Eva, sem terem acesso à vida ilimitada, não a poderiam transmitir à sua descendência. Por isso, a Humanidade ficou condenada.
Desde então, o segredo da vida eterna - não da vida para além da morte, mas da vida sem morte - tem sido sempre objecto de procura incessante do Homem. Mas esse segredo está fechado à chave, e esta, dada como irremediavelmente perdida; não se sabe onde estará: se com os querubins, se nas mãos de Deus… ou nas de S. Pedro, aquele que tem as chaves do Reino dos Céus. O Homem bem a tem procurado, mas sem êxito. E sem ela não há acesso ao fruto que dá vida infinita. Sem chave é morte certa!

Foi aí que dei por mim a pensar: se não há chave tem de se arranjar. Aí está! Encontrei a solução para a vida eterna. A solução está na chave.
Tanto que o Homem tem buscado uma solução para a morte: uma chave. Quer através de mezinhas caseiras, quer em cada vez mais sofisticadas práticas laboratoriais, como a clonagem, a manipulação genética: uma chave! Bem têm procurado uma chave. Mas não era uma chave que faltava, era A chave: aquela chave que abre a porta do jardim onde está a árvore da vida. Só com o fruto dessa árvore se conseguirá eliminar a morte. A chave é a única solução para abrir a porta à vida sem limite temporário.
A chave! A solução está na chave.

Por isso tem de ser feita outra chave. É a única solução: fazer outra chave que sirva naquela fechadura… que sirva naquela fechadura, daquele portão!
Lamento! Mas esta é uma triste conclusão. É que os querubins estão de guarda, armados de espadas flamejantes… como chegar lá? E quem se atreverá a desafiar Deus, ao ponto de sequer tentar fabricar outra chave?
No entanto, a chave é a única solução!
Quem se atreverá? Quem conseguiria? Quem é que se deixa dominar pela imaginação?
Será isto tudo uma utopia? Ou não passará tudo de ficção?
Se alguém acha que é mentira, eu não!... [não]???

(M. Fa. R. - 30. 03. 2009)

28 março 2009

O céu às portas do inferno



O encontro entre os dois seres supremos: Deus do Céu e José Sócrates da Terra.

Foi um dia particularmente mau, complicado, de trabalho arrasador. José olha-se ao espelho e nota o semblante carregado, o olhar pesado, a querer fechar-se, e uns papos inchados ao redor. Nisto, é acometido de algo extremamente violento. Pelo seu natural espírito optimista acima, começam a rodar, magistral, furiosa e vertiginosamente, umas labaredas ameaçadoras, numa espiral furacónica, que tão velozmente se inflamam e sobem, como tão depressa já estão reduzidas a carvão, a um túnel escuro como breu, apenas com um ponto muito brilhante ao fundo. Uma luz ao fundo do túnel. Foi um cataclismo tão extraordinário e rápido, de deixar arrasado qualquer um. É Deus que escreve direito por linhas circulares.
Do fundo do túnel, no meio da luz esplendorosa, a voz do Senhor, Deus do Universo:
 “Vi, debaixo do sol, a injustiça ocupar o lugar do direito e a iniquidade ocupar o lugar da justiça.” Eclesiastes 3, 16.
 Mas... meu Senhor  responde, prostrado, amedrontado, o interpelado  “Todas as coisas têm o seu tempo, e tudo o que existe debaixo dos céus tem a sua hora.” Eclesiastes 3, 1.
 Então, meu filho, e não achas que já dura há tempo demais essa infelicidade que o povo sente? Por causa dessa crise, é o desemprego a alastrar, outros sem condições para trabalhar e ainda outros a furtar… e o pão na mesa a faltar, por não haver dinheiro para o comprar.
 Mas meu Senhor  responde já mais confiante  “não só de pão vive o homem”. Mateus 4,4. O que lhes falta é fé, porque até nem têm de que se queixar… com a nova lei de redução do teor do sal no pão, nem sequer vão comprar tanto, por isso o dinheiro vai chegar. E, depois, a medida de apoio às famílias, que vai ser implementada, não lhes diz nada?! E os ‘Magalhães’? Esta gente é muito ingrata! É bem certo! “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque.” Eclesiastes 7, 20.
 Bem…  replica Deus  “Há um mal que eu vi debaixo do sol, derivado de um desacerto da parte do soberano: O insensato ocupa os mais altos cargos, e os homens de valor são colocados nos postos inferiores.” Eclesiastes 10, 5-6. “Vi tudo isto e apliquei o meu espírito a considerar tudo o que se faz debaixo do sol, num tempo em que um homem domina outro homem para desgraça dele.” Eclesiastes 8, 9. E os vencimentos escandalosos e as reformas milionárias arrombam com as contas públicas e deixam o país debilitado, miserável.
 “Debaixo do sol a corrida não é para os ágeis, nem a batalha para os bravos, nem o pão para os prudentes, nem a riqueza para os inteligentes, nem o favor para os sábios: Todos estão à mercê das circunstâncias e da sorte.” Eclesiastes 9, 11.  Responde José sem temor.
Deus ganha fôlego e atira de novo:
 E porquê a proposta de legalização do casamento homossexual? Sabes o que foi dito: “Não coabitarás sexualmente com um varão; é uma abominação.” Levitico 18, 22. “Se um homem coabitar sexualmente com um varão cometeram ambos um acto abominável.” Levitico 20, 13.
 Ó Deus! “Também, se dormirem dois juntos, aquecer-se-ão mutuamente; mas um homem só, como se há-de aquecer?” Eclesiastes 4, 11.
Deus acha-o a atrever-se demasiado e avisa:
 “Não digas nada inconsideradamente nem o teu coração se apresse a proferir palavras diante de Deus que está no céu, e tu na terra; portanto sejam poucas as tuas palavras.” Eclesiastes 5, 1.
Sócrates, sem medo, avança:
 “As palavras calmas dos sábios são mais ouvidas que os gritos de um chefe entre os insensatos.” Eclesiastes 9, 17.
 “Segue os impulsos do teu coração e o que agradar aos teus olhos, mas sabe que, de tudo isso, Deus te fará prestar contas.” Eclesiastes 11, 9.
Assim rematou Deus vendo que, por agora, não tinha mais verbo para Sócrates e que, para este, a palavra é lei.

Não. Ainda não foi desta! Por agora, não seria a morte a ter algo para lhe ensinar.

No entanto, "Todos vão para um lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó." Eclesiastes 3,20.

E "O que é, já foi; e o que há-de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou." Eclesiastes 3, 15.

(M. Fa. R. - 20.03.2009)

22 março 2009

Março

Imagem de Elena Bondareva 

Março sorri numa sinfonia de tons. É mês de sol, do chilrear dos passarinhos, do despontar das flores e de pólen pelos ares. Nele há um equilíbrio de tamanho entre as noites e os dias. É ele que traz a Primavera; e até parece que faz o coração abrir-se mais aos amores. Qual tela pintada por mãos de artista, assim, em Março, o céu e a terra se revelam numa infinidade de cores e dons. Para mim é o mais belo – o mês em que nasci.  
M. Fa. R. (17.03.2009)

14 março 2009

Temporal

“Vem, dançamos?” 
“Pois, não! O prazer é meu.” 
Ele a enlaçou. 
E, no calor do abraço, 
A beijou. 
Ela mordeu, bateu, 
Arranhou. 
Ele riu, gargalhou. 
Ela chorou… 
Ferveu!

(M. Fa. R. - 07.03.2009)

05 março 2009

Um rosto?


O OLHAR, óleo s/tela Tenini (Teresinha Canini Avila)

Um rosto, uma promessa, uma esperança no olhar. Um deixar fluir a vida no embalo de um sorriso, na insegurança de uma sílaba mal articulada, de uma gaguez de palavras mal soletradas. Encantamento.
Quem suportará padecer de um encantamento e sobreviver? Quem soçobrará a uma réstia de calor que perpasse na retina, a um lampejo de fogo que ateie um resquício de lume mal inflamado? Um louco? Por pouco se desenha um eco que não o chegou a ser. E se sucumbe. Por pouco, muito pouco!
Até que chega o tempo, a hora, em que as inseguranças passam a ser apenas lembranças e, até estas, se desvanecem. Tarde amanhece o espanto da mão que não foi dada, da sombra que não passou de aparência, da pergunta que não chegou a ser formulada. E nem por isso se deixa de olhar sem ver, e de acreditar sem querer. Nem de crer que a alma derreta ao toque de um silêncio ou de uma trombeta. Por mais breve que seja o tempo da nota, ela não deixará de fazer a música, nem a melodia seria igual se ela lhe faltasse. Nem a vida seria a mesma sem o encantamento do amor.
Mas amor é a própria vida. Amor que se dá, amor que se traz, amor que se faz. Amor, sempre amor! São olhares, são palavras, são mãos, são braços, são abraços e beijos. E desejos. E também são lágrimas, soluços, ou sorrisos, ou só pensamentos, ou pressentimentos, ou apenas imagens, paisagens, miragens, ou aragens, ou uma ligeira brisa ou, talvez, ventania. Um vento no rosto. Um rosto.
Um rosto? Nem sempre o chega a ser!

(M. Fa. R. - 28.02.2009)

27 fevereiro 2009

Gata Borralheira


(Degas, The rape - 1868/69)

O amor tem destas coisas: por vezes acaba. Até o dia que nasce com um sol esplendoroso pode ficar carregado de nuvens negras. Porque teremos nós a capacidade de mudar?
Um amor para a vida inteira é, cada vez mais, uma utopia. Sonha-se com o príncipe encantado, ou com a Cinderela, e depois, o príncipe, afinal, é um sapo, ou à Cinderela, descobre-se que não lhe serve o sapato.
Um Príncipe e uma Cinderela – uma história banal: Filomena, menina-mulher, casara com o príncipe dos seus sonhos, depois de meia dúzia de meses de romance, em que por uma meia dúzia de vezes se olharam e outra meia se tocaram. Nesse dia, sentira-se a princesa que ele tinha resgatado de Gata Borralheira, daquela sub-vida em que os maus tratos físicos e psicológicos eram o seu pão de cada dia. Começara, enfim, a viver. Emergira e sentira-se flutuar numa doce magia, numa felicidade dourada e reluzente, num sonho tão cor-de-rosa, que até estremecia com medo de acordar e vir a descobrir que aquele sonho era um pesadelo.
Decorreram semanas de mel e luar em que ele, amante apaixonado, sofregamente, a ensinou a ser mulher, a descobrir sensações nunca antes imaginadas. E aprendeu o que era amar, o que era desejo, o que era o êxtase e a plenitude da felicidade.
Exalando um mar transbordante de águas quentes – escaldantes até – cega de amor e de vida, passavam-lhe ao lado alguns pormenores. O seu marido, cada vez mais, vivia na noite, com o álcool como companhia principal; mas ela desculpava, porque ele a amava sempre com intensidade, impetuosamente. Se existiam algumas diferenças, essas eram em si. Descobriu porquê: estava grávida. Ele confiou-lhe lágrimas de alegria, e nela elevou-se o instinto maternal – ele queria um filho. Sublime contentamento, suprema negridão. Não, não era uma filha que ele queria…
O modo como se desenrola uma história, apesar de contornos peculiares, não é muito diferente de outras histórias. Filomena carregava uma filha no ventre e, ao mesmo tempo, foi carregando agressões, violações, fome; toda a espécie de violência física, verbal e psicológica, por parte de um homem cobarde e irracional que, sob a capa do álcool, parecia lograr um só propósito. E a filha nasceu… e morreu em seguida.
O que sempre temera acabara de acontecer.

(M. Fa. R. - 21.02.2009)

18 fevereiro 2009

Às Aranhas


“Golo, goolo, gooolo, gooooolo…” – é a melodia que me quer saltar das mãos.
As pessoas olham e eu atendo, sentindo-me estúpida.
- Estou?...
Não consigo evitar a voz rouca.
- Olá, amor! Pareces o lobo mau! – Ouço do outro lado.
Atrapalho-me.
- Eu não… quero dizer, não…
- Pois claro que não! Estava a brincar, mas é que não pareces tu!
- Não…
Quis dizer o que se passava, mas não deixou. Continuou a falar, muito segura de si.
- Não vais acreditar! Hoje vamos desenhar modelos nus… já viste bem? – Diz num riso miudinho, nervoso.
- Não!... – Elevo a voz e sinto, cravados em mim, olhares que me comem as palavras.
- É o que te digo! Eu sabia que não ias acreditar…
- Estou sem tempo… – digo num passo apressado – posso falar?
- Mas… tu não és o Paulo!
- Claro que não, se me tivesse deixado falar teria percebido que sou mulher.
- Bolas! Eu não posso acreditar que o Paulo me anda a trair por aí com outra qualquer…
- Não é assim…
Sinto-me incomodada com esta conversa e com as pessoas que passam por mim afogueadas. Sou uma aranha, no meio de um emaranhado de fios mal urdidos e que tenho de endireitar.
- Espere. Vou contar o que aconteceu.
- Estou à espera.
- O telemóvel não é meu.
- Olha a novidade! Isso, já a gente percebeu…
Levo um encontrão.
Isto é de loucos! Quem raio me mandou, numa rua movimentada em hora de ponta, pegar num telemóvel abandonado no chão?
(M. Fa. R. - 13.02.2009)

11 fevereiro 2009

Metamorfose


Correr pelo campo, coberto de margaridas, é esvoaçar pelos céus como águia solta ao encontro do sol. Ah, se pudesse ter asas! Assim vibra Luísa, ao experimentar a sensação de liberdade que a vem salvar.
Luísa, prisioneira de um sonho, ao mergulhar os pés no tapete de margaridas, delira como já há muito não lhe acontecia. Ganhar asas é anseio que a persegue e a mantém cativa, refém de um azul que vislumbra ao longe, mas que ao mesmo tempo os grilhões do medo lhe vão impedindo que aconteça.
Agora, este chão, orvalhado de flores, segreda-lhe ousadia. Barricar as portadas do seu mundo, logo que o medo se retire por uns instantes, é a decisão acertada para se desembaraçar, de vez, do seu opressor. O medo ficará para sempre do lado de fora, impedido de atravessar a barreira. Há-de voar. Perseguir o sonho, mantê-lo vivo. E jamais será simplesmente mulher. Será deusa, anjo, pássaro ou apenas libelinha, tanto faz. Voará. Riscará o céu, a lua, as nuvens… ou apenas as flores. Irá ao encontro da luz mais brilhante, ou apenas da linha do horizonte. Mas voará. Voará com as asas coloridas que um arco-íris lhe trouxer.
Por enquanto é apenas crisálida.

(M. Fa. R. - 06.02.2009)

06 fevereiro 2009

Quisera voar!



Oh, quem me dera voar!
Voar para onde me levasse o sonho.
Ver a imensidão do mar,
Ver de perto o azul do céu
Com o vento a fustigar o rosto
E o sol a arder na pele!

Quisera voar!
Voar é um imenso desejo!

E, sim, voo
Sem grilhões e com eles
Dentro do espaço limitado
Da minha suave cadeia.

Voar mais alto?
Não!
Não posso.
Não tenho asas!

(M. Fa. R. - 14.03.2007)

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