14 maio 2009

Um princípio no fim

Um fim é como um princípio. No princípio: o início, a origem, o começo, a base, a causa primária; mas também opinião, lei, regra, máxima… No fim: o termo, a conclusão, o limite, o remate, o final; mas também intenção, alvo, plano, motivo… Se há um fim é porque existiu um princípio. E quando se começa é sempre no fim; se um fim acontece é sempre o início de outro algo que está lá para a frente. Começa-se por se dar corda a uma roda de balanço. Balança-se, toma-se balanço, gira-se em torno de um ponto cardeal – norte, ou oriente – e chega-se a uma altura do campeonato, que pode ser o fim, mas que é sempre um início. Uma meta: um ponto de partida num ponto de chegada. Completa-se um ciclo. Fecha-se um círculo; dá-se uma volta completa. Uma roda que roda, que gira e torna a girar. Uma volta que volta ao começo, em que já não há mais volta a dar… mas em que apetece recomeçar. Entre um princípio e um fim fica um intermédio, um caminho percorrido. Chegar ao fim de um caminho, e sabê-lo uma rota de descobertas, é uma vontade de ir mais além, um pouco mais longe: ganhar asas e voar. Cruzar céu, e estrelas, e lua, e também nuvens; arriscar ver o sol de perto e queimar as asas; explorar para além do limite conhecido, rebolar nos sonhos, saltar de um trampolim e… aterrar. Escrever: nas palavras riscadas dizer coisas que de viva voz não ousam aparecer; dar vida a verbos que na vida se esquecem de falar, escondidos que estão debaixo da língua, enovelados que ficam sob os anéis dos cabelos. Desafiar os próprios limites. Alinhar detalhes, pormenores, ritmos, ecos; juntar letras, marcar sílabas, compor falas, encher espaços, ensaiar, ler… e apagar; mandar espreitar pela janela o botão que não quer entrar na casa; espantar-se com as descobertas. Soltam-se objectos, sujeitos, predicados, complementos directos, indirectos… indirectas, metáforas, imagens, aliterações… emoções… acentos, vírgulas, pontos de interrogação, de exclamação, finais; lápis, canetas, papéis. Riscar a vida com a ponta do lápis: escrever, escrever, escrever. E, no fim, naquela hora, ficar tanto por dizer. No fim há sempre um princípio: escreviver!
(M. Fa. R. - 24.04.2009)

17 comentários:

Paula Raposo disse...

Concordo inteiramente. Adorei a forma como o disseste...muitos beijos.

Ana Echabe disse...

Ola Fá!

Sim, sempre a o principio do fim, mas o fim é um ato consumado, esse nada pode fazer, mas quando pensamos na lei do infinito 'OO', então existe um ponto de partida, o centro, o que nos remete ao pensamento, equilibro porem para que exista, o meio termo é preciso reconhecer a diferença entre a noite, o dia, o principio para que saibamos o ponto de chegada. Para isso eu preciso ter consciência do meu presente, desta forma distancia a possibilidade que eu não cometa pecado; palavra originaria do grego antigo, que vem do Peca = errar o foco, ponto.
Mas se a origem de meu foco é minha, como saberei o fim, se tenho tanto ainda a aprender, desconstruindo velhos conceitos por parti pris...
Sim re'screviver.

Gosto do que diz,
Abraço e uma ótima semana a vc Fá!

Vicente disse...

...está a ver - pensa que o seu texto chegou ao fim quando o terminou...mas no fundo foi o principio para quem o leu. Na verdade, nas palavras de José Cardoso Pires, essa é a função da escrita: CORROMPER. Assim que chegou a mim em palavras foi principio de algo....

mas a coisa complica um pouco pois, na verdade, "nascer" é também morrer (quando nos fazemos outro, crescemos...) e Ser é deixar de Ser ( para sermos quantas vezes não implica deixar de ser?...)...assim que principio e fim podem ser um ponto vizinho...

Todos os dias uma folha em branco que não tem fim pois o começo ninguém sabe e o fim...uiii....
Abraço

Caio Kaiel disse...

Olá... bonitas palavras e bela maneira de "poetar", as idéias ficaram borbulhando, obrigado.

Digo que é bem por isso que Deus nos fez Finitos... começo e fim... e apenas desejosos - porque Deus nos queria sonhadores.

novamente obrigado.
Caio Kaiel

mfc disse...

Há sempre um princípio (não sabemos bem onde).
Os fins são sempre recomeços!

malu disse...

"E no fim, fica tanto por dizer"

Faz valer o princípio de "escriver", escrevive, porque nunca diremos tudo.

Bjs.

Elcio Tuiribepi disse...

Nossa Fá menor, ficou muito bonito seu texto, e ele é a prova do realismo de sua própria idéia, pois ele teve inicio, meio e fim, e por sinal o fim foi com chave de ouro...O FA foi Maior...rsrs...parabéns...Um abraço na alma...bom fim de semana

SalForte disse...

A palavra quando sai do teu coração, transforma-se em mel na boca de quem a lê e em musica nos ouvidos de quem a ouve.
Parabéns!
Continua por favor!
Bjs

vieira calado disse...

O fim é igual ao princípio.

Os extremos tocam-se.

"Começar e acabar

é a mesma sina

não vale a pena ter pressa!"

Digo eu num poema.

Cumprimentos meus

Isabel José António disse...

Querida Amiga Fa menor,

Lindíssimo texto e profundíssimo. Parabéns.

Através da Ciência diz-se que no início toda a energia do universo estava contida num único ponto. E deu-se uma enorme explosão (O Big Bang). E até agora o universo continua a expandir-se. Chegará o momento em que o universo se começará a contrair e tudo se recolherá até atingir a singularidade inicial. E todo o ciclo recomeçará eternamente.

Os Hindus chamam ao momento de descanço pralaya e ao de manifestação manvantara.

A Biblia inicia-se: "No princípio era o verbo e o seu espírito pairava sobre as águas". E que Verbo é este? O Som Primordial, já que Verbo é sinónimo de palavra, liguagem.

As antigas Leis Herméticas, do tempo do Antigo Egipto, já falavam na Lei dos Ciclos (Tudo é cíclico o que varia é o tempo de duração desses ciclos.)

Tudo tem o seu tempo. Atrás dos tempos tempos vêm. Há um tempo para semear; outro para deixar evoluir a semente e outro para colher os fruto do que se semeou.

E nas nossas vidas passa-se o mesmo. Por vezes é bom saber-se em que ciclo estamos para podermos adequar os nossos comportamentos ao ciclo que se esteja a passar.

Um grande abraço para si.

José António.

PS.:

Não deixe de visitar, esta semana, os nossos outros dois blogues: POESIA VIVA e O CAMINHO DO CORAÇÃO.

poetaeusou . . . disse...

*
belissimo
e
chega . . .
,
conchinhas,
,
*

Å®t Øf £övë disse...

Fá,
A vida é feita de ciclos, e por muito que nos pareça que há principios e fins, na verdade quando terminamos algo, apenas estamos a voltar ao ponto de partida.
Bjs.

MARILENE disse...

Fá, consciente, claro e belo seu texto. Não há como discordar. Toda vez que um ciclo se fecha, dizemos fim, mas, na verdade, ele se fecha para que outro se inicie. Há muitos caminhos novos a ser descortinados. Bjs.

alfacinha disse...

Lendo esse texto maravilhoso, eu completarei o ciclo de iniciar e acabar com um agradecimento

" R y k @ r d o " disse...

Descreve de forma divina o que é a vida. Começa-se e acaba-se sem muitas vezes se perceber onde se acaba o que se começou. Adorei ler. Fabulosa a forma que utilizou no uso do trocadilho das palavras.
.
Votos de um Natal muito feliz, recheado de amor, saúde, prosperidade. Que o sol brilhe sempre em seu coração

Majo Dutra disse...

Realmente, está um texto muito interessante sobre um assunto em que raramente se medita...
E é muito oportuno em vésperas de fim de ano -- sem certezas sobre o próximo -- e esperando o fim da pandemia, sem confiança nas vacinas...

Grata pelos bons momentos de leitura.
Dias bons e felizes, Fá. Beijinhos
~~~~~~

Ana Freire disse...

Um texto notável, para ler e reler... e reflectir profundamente!...
De uma coisa, eu não duvido... cada fim, já contem em si mesmo a dinâmica de um novo recomeço!...
Beijinhos!
Ana

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