28 dezembro 2010

Em Jeito de Balanço

 
  Caríssimos, Preciso de lhes dizer o que me vai na alma. 
Por um tempo foram-me acontecendo alguns exercícios idiotas (entre outros que me percorreram). E como idiota os resolvi. A minha realidade não estava lá – nem de perto, nem de longe. Mas aproximei-me; foquei-os pelo canto do olho; inspirei fundo para lhes sentir o odor; apurei o ouvido ao som do vento que me os trazia, e que umas vezes me era brisa e outras, ventania; rocei-lhes ao de leve os lábios, a tentar que me fossem sede; tacteei-lhes as vértebras dorsais, que pai-nossos não foram, mas orações se fizeram. Deles me ficou um mundo novo. 
Quero ver tudo isso como ginástica: um levantar de pesos, ou carregá-los. 
Por vezes, descansar à sombra é mais sedutor. Não dói. Carregar pesos custa. Custa o esforço, a dor, o suor… O exercício pode ser violento e causar rupturas, estriamentos, se não houver algum aquecimento prévio. Porém: os saltos em altura e em comprimento permitiram-me alongar horizontes e estreitar mares por onde me será possível sempre navegar. 
Bem-hajam por fazerem parte da tripulação do meu barco.
  (M. Fa. R. - 23.07.2010)

18 dezembro 2010

Escrever é Voar

– Um escritor pode delirar de forma deliciosa ao escrever. Pegar nas nuvens e com elas erguer castelos, cavalos, cavaleiros, pastores, rebanhos, pradarias, florestas, flores, sinfonias; e muitas cores roubar ao arco-íris para pintar um painel; e com o mesmo pincel soletrar o calor do sol ou o orvalho, a chuva, o frio, a neve, ou o amor, o trabalho, a dor, a tristeza, a alegria; e a fome, a guerra, a paz, a vida, a morte, a fortuna ou a má sorte podem estar lado a lado na mesma paleta; e cruzarem-se mares e céus, rios e ruas, estrelas e luas, vulcões, e ventanias, ou vendavais, trovoadas, tempestades, furacões e tudo o que se quiser e ousar fazer brotar dos lábios e dos corações. Acreditas?
Escutava-o enlevado. Quando se tem 15 e 16 anos pode-se ter o mundo aos pés sem se o saber. Pode-se, até, ter o mundo na mão e fazê-lo girar, ou então deixá-lo cair por senti-lo pesado.
– Isso é voar. E fazer sonhar. Eu também sonho um dia ser escritor. Escrever isso e muito mais. Escrever um livro, como tu. Imprimir no papel palavras que me nasçam na mão, mas não sei se isso é querer agarrar com os dedos a lua toda, cheia, quando apenas se vai sendo tocado por uns raios do seu luar.
– Quando se sonha tudo é possível: a lua brilha-te na mão; as estrelas sorriem-te nos olhos; o arco-íris solta-se-te da boca; o sol é o teu coração; e todo tu és rios e mares, fogo e água pura, areia que enche o deserto, camada de ozono que envolve a atmosfera; és a própria atmosfera, o ar que tu próprio respiras. Acredita: “O sonho comanda a vida”. E tu podes. Tu és. Aceita. E avança resoluto, sem nenhum receio de contrariares ventos, correntes e marés. Firma os pés na terra, deixa que te escorra no peito o suor dessa guerra e, nas mãos, terás ganho essa luta.

(M. Fa. R. 16.11.2010)

09 dezembro 2010

(A)corda



“A corda rebenta sempre pelo lado mais fraco”. Um lado que vai enfraquecendo cada vez mais. Dando de si. Em dor.
De um novelo me tiraram e nós me seguram as pontas. Longe vai o tempo em que, nova e lustrosa, era bem resistente aos safanões das mãos que me faziam dançar.
Com o tempo e o uso, a fragilidade apodera-se de qualquer corpo e o meu não é excepção. Vão-se-me desfiando os fios, no desfiar dos dias, ao toque das Avé-Marias. Esticada à força de puxões e fricções, estou prestes a rebentar. Ai. Geme-me a alma quando a dança, cada vez mais pífia, me acusa do desgaste ao sacudir-me no chamamento para a missa (“a messe é grande e os trabalhadores são poucos”). As vibrações percorrem-me o corpo despido, dorido de tanto badalar. E escorre por mim o medo de soçobrar às mãos que me cofiam. Então, se houver um toque a rebate, depressa ficarei nas mãos de alguém.
Os sopros de uma coruja, que vislumbro por uma janela meio iluminada, minha companheira nesta noite assombrada, vêm gelar-me de frio medonho os ossos cansados; à minha volta move-se um vazio abismal; e eu, com os dedos descarnados de tanto me segurar, espero pelos compassos da aurora que me venham libertar.
Mas, se então ainda não partir, estou certa de que irão continuar a servir-se de mim, sem pensarem em me substituir. Custará assim tanto reparar que esta pobre corda, presa ao badalo do sino do campanário, está cada vez mais velha e gasta, e quase quase a rebentar?
E é então que me sinto abanar: “(a)corda”!

(M.Fa. R. - 09.11.2010)

23 novembro 2010

Pouca Terra

Entrei naquele comboio à procura não sabia bem do quê, esperando ausentar-me, mesmo que apenas por algumas horas, de uma solidão penteada e maquilhada.
Entrei e não vi ninguém. Vi. Mas não vi. Os meus olhos não pararam em quem quer que fosse. Mesmo caminhando de frente, eram só cabeças em corpos sentados. E lugares vagos – alguns. Instalei-me num, ao acaso. No lugar ao lado, junto à janela, já estava alguém. Olhei-o de relance – de óculos de sol, todo barbas e ainda cabelos – e senti-me corar, mas talvez que os óculos escuros lhe tenham ocultado o fogo do meu rosto. Deus queira, pois se não o que haveria ele de pensar? Esboçou um sorriso. Retribuí, sem que qualquer palavra se atrevesse a aflorar, apesar de os pensamentos se me atropelarem, como numa gincana de bicicletas, em que um ciclista cai e todos os outros, sem terem tempo de se desviarem, se enfaixam num feixe desalmadamente. Desconsoladamente. Que fazia ele ali, saído de um filme antigo, num comboio regional, anónimo, sozinho?
A chegada do revisor vem colocar um pouco de ordem nesta cabeça.
Há muito, muito tempo, quando eu era pouco mais do que uma criança, sonhava com um príncipe encantado como ele, naquela série, com uma voz de ouro timbrado que me fazia pular o coração. Ele desenhar-me-ia palavras que me seriam carícias.
E agora, por que é que não acontece nada?
As cores com que se pinta o mundo quando se é adolescente vão-se esbatendo com o tempo, tornando-se mais foscas, menos garridas e, por vezes, escorridas, esborratadas. Esvaídas.
Espreito-o pelo canto do olho. Parece absorto, ou disfarça.
Se fosse naquele tempo, o mais provável seria que o meu coração, cheio de acordes maiores, me tivesse afogado a voz; agora, aqui, a minha voz imerge na profundidade das décadas passadas à procura de um coração arroubado, mas também não consegue retirar dele som nem tom.
O comboio abranda a marcha e percebo que estou quase a desembarcar. Levanto-me para o corredor e o meu companheiro de viagem dá sinais de se preparar para também sair, e então dirige-se-me com aquela voz que me paralisa:
- Muito obrigado pela companhia e por me dar a beber do aroma silencioso do seu perfume.
E vai embora sem eu ser capaz de lhe dizer que, há mais de trinta anos, era ele - Sandokan - que me prendia a atenção ao ecrã.
(M. Fa. R. - 26.10.2010)

12 novembro 2010

100 Palavras… ou com poucas mais

Um dia de Formação das 10 às 17 com intervalo para almoço.
Uma única janela no aconchegado gabinete com a persiana corrida. Aconchegado – bem aconchegado – para quatro pessoas; persiana corrida para tornar o ambiente adequado à projecção. Assim não me posso distrair a ver o tempo que faz lá fora.
Ainda bem que não sofro de claustrofobia!
Sorrio. Sorrimos.
Apresentamo-nos: Manuela – formadora; Carla, Maria e Ana – formandas.
Blá, blá, blá… ponho os óculos; presto atenção ao ecrã (as imagens são sugestivas); sigo todos os passos (o dia vai de corrida sem ninguém o apanhar); coloco dúvidas; respondo a questões; troco ideias e ideais… sugestões; tiro os óculos. Sorrio.
Passou a manhã.
Pausa.
Espero.
Veio a tarde.
Sorrio. Ponho os óculos. Embalo-me em mais Marketing Social e deixo-me levar. Parece que temos de usar mais a regra dos três C – a regra de ouro para que a informação que queremos passar surta o efeito desejado – ser clara, curta e concisa. Tiro os óculos.
O dia já lá vai… Ainda foi só o primeiro dia.
Sim, um novo dia de formação fica marcado.
Sorrio.
Um dia bem formado!
(M.Fa.R. - 11.10.2010)

03 novembro 2010

(S)Em Dor

Procurei e encontrei a cura para a dor. E cheguei até à cura pelo coração: o coração não dói. Está provado cientificamente que o coração não dói. Sente dor mas não dói. O que dói é o que o envolve. Por isso a dor é nervosa. E psicológica: passa pelo pensamento. A dor é nervoso-psicológica: os nervos levam-na ao cérebro – ao pensamento. Pensar na dor faz doer. Há, por isso, dores do cérebro, não do coração – o coração não pensa. Não pensa: não dói. Só sente dor, mas não dói. Dói o que pensa. E o que pensa é o cérebro. É, então, o cérebro que dói. Ora, se as dores são do cérebro, e se se procura a cura para a dor, essa cura passa pelo cérebro. Nada mais fácil de curar: tira-se a dor do cérebro! Como? Tira-se o cérebro. Sem coração não se vive, que é o órgão vital do corpo. Mas pode bem viver-se sem cérebro(!). E, assim, jamais haverá dor. Só com o coração no comando poder-se-á viver. E como o coração não dói, nada mais em nós poderá doer. 
 (M. Fa. R. – 2010-07-09)

22 outubro 2010

Encontro de grau imediato



O “S” inconfundível espreita-lhe pela camisa aberta no peito enquanto ele chama o elevador. Este trepa, numa subida pachorrenta, até ao último piso do elefante branco. Finalmente a porta abre e ele entra, arrastando consigo a euforia de mais uma maratona de treino pelos ares:
– "Eu sou o Super-Homem, o maior da minha rua..."
O elevador inicia a descida, mas detém-se logo de seguida para dar entrada a mais uma célebre figura, de aparência embaciada, sorumbática ou, se calhar, sonolenta – era ainda madrugada:
– "Fiz tudo p´ra sobreviver, em nome da terra, no fundo p´ra te merecer."
– Oh, “encosta-te a mim, nós já vivemos cem mil anos.” – Tenta o primeiro socorrê-lo.
O semblante baço dá lugar a um espanto incrédulo, confuso – parece ver estrelas cadentes. Apalpa ali um calor nebuloso dentro do elevador que o faz temer a proximidade daquele ser de outro mundo.
– Oh, pá... serás tu aquele que faz 10 segundos daqui até à lua?
– "Não queiras ver quem eu não sou, deixa-me chegar."
– Chega-te para lá! – Defende-se inflamadamente.
– "Não desencantes os meus passos, faz de mim o teu herói."
Parecem cruzar-se ali os quatro elementos: move-se o ar ao encontro da terra; despeja-se o mar dos olhos de um no fogo dos olhos do outro.
– Muito bem, se me roubas as palavras, e se és mesmo esse herói, vais tratar do que tiver que ser!
– “Encosta-te a mim, talvez eu esteja a exagerar.”
– É que “eu venho do nada porque arrasei o que não quis em nome da estrada, onde só quero ser feliz.”
– Ah, percebo – responde o Super-Homem –, ser feliz… ser feliz é o que todos querem, nem que para isso ponham o mundo num caos, e depois cá está o Super-Homem para dar a volta à questão.
– E não é para isso que és o Super-Homem? Se tens poderes sobrenaturais tens mesmo é que ajudar as pessoas.
– Pois claro, enquanto souberem que existe um Super-Homem que as pode socorrer, fiam-se nele e perdem a noção da realidade, apelando aos seus poderes sobrenaturais. Mas afinal em que queres a minha ajuda?
– “Vai desarmar a flor queimada, vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.”
– Logo vi! E isso é o quê? O Orçamento do Estado, por acaso?... Ó meu amigo, isso já lá não vai nem com um Super-herói como eu!
E mal se abre a porta do elevador já o Super-Homem desapareceu.


(M. Fa. R. - 19.10.2010)

14 outubro 2010

Onde está o Pão?

 

Sem pão e sem amor
Sem sequer uma côdea com bolor
Que lhe caia na mão
Aos tropeções por essa vida
Sem esgar na noite entorpecida
À espera de aquecer o coração
Anda perdida qual mendigo
Muita gente em nosso mundo
Matando o ar em campo nu de trigo
Que já foi seu e que ardeu

Quem lhe roubou o seu pedaço de pão
Quem lhe sacou o coração e o pisou
Fingindo bem-fazer
Dizia que era dia e fez a noite
E continua airosamente a sussurrar
Que o pão dos outros é ateu
Que só quem o tem o mereceu
E que o dia de mais pão há-de chegar

Mas eu grito enquanto a voz não me doer
Enquanto a noite escura estiver
Enquanto eu vir ainda um pouco mais além:
Anda muito ladrão por aí com cara de gente-bem!
(29.08.2010)

Também publicado em Porosidade Etérea

 

27 setembro 2010

A vida da ti Maria Amélia dava uma história


(Imagem de autor desconhecido)

Quando a ti Maria Amélia, de manhã, ia à taberna matar o bicho com o seu copito de aguardente, costumava, muito sorrateiramente, enquanto o taberneiro estava virado para outro lado, estender o braço e meter os dedos ao tabuleiro da marmelada e levar um bocado dela para a boca para fazer peito para a pinga. É claro que o taberneiro começou a desconfiar, por ver repetidamente a marca de uns dedos onde devia ser cortado à faca, e disse para com os seus botões que a havia de tramar. Então arranjou um tabuleiro igual, meteu-lhe dentro massa consistente e, naquele dia, sabendo que ela vinha sempre por volta da mesma hora, outro tabuleiro a esperava. Ela seguiu o ritual de sempre, pagou o copito e foi-se embora sem se desmanchar, mas de garganta bem untada. Pelo caminho, diz quem a viu e ouviu, que ia sempre “arrrtffff arrrtffff, aquele Manel tem lá agora uma marmelada que sabe mesmo à m.... arrtffff”.

Pobre da Maria Amélia, com o seu corpo vestido de farrapos, e sem ter eira, nem lareira onde se aquecer, nem sequer um palmo de seu onde cair morta! O seu homem fizera-se ao Brasil, ainda novo, na busca de uma vida melhor para o filho que lhe deixava na barriga, mas por lá ficara, decerto com outra família que arranjara. O filho crescera e, por sua vez, a deixara, depois de a esvaziar de tudo quanto tinha para cumprir os vícios que o haviam espreitado. Valia-lhe a compaixão de alguns vizinhos que lhe davam algum prato de sopa, ou umas pobres moedas, ou ainda um palheiro para pernoitar.
Errante, com o sol ou a chuva, ou os cães vadios por companheiros de jornada quando, sem tir-te nem guar-te, um carro a atirou de rompante para uma berma da estrada.
Atirou e fugiu, e ninguém viu. E a pobre ali ficou estirada, inerte, sem vivalma que a socorresse. “Está bêbada, que a descabece!”
Quando um bom homem se acercou, era tarde. “Acudam, a ti Maria Amélia morreu!”

(M.Fa.R. - 02.07.2010)

17 setembro 2010

Ou Remela ou Cataratas


Imagem: creativx.net

Trespassa-me um extremo mau-gosto-olhado: sabor a fel e… remela. Só me faltava mais esta agora! Bloqueio à entrada do aposento:
– Não posso acreditar no que os meus olhos vêem!
Esfrego os olhos, uma e outra vez, mas a visão fica cada vez mais enevoada. Tenho andado a adiar há tempo demais a ida ao oftalmologista, claro que só podia dar nisto! Estou a ficar cega!!!
Isto é um pesadelo: só vejo uma sardanisca velha, nua, a rebolar-se, a deixar escamas em tudo o que é meu e que me pertence por direito. Uma velha sardanisca sem sequer esconder a carcaça dentro da velha carapaça. E um sardaniscão pronto a entrar em acção.

Fechei a porta à chave e chamei uma equipa de desinfestação. E, pelo sim, pelo não, tomei a maior decisão: fazer uma visita ao oftalmologista, antes que as cataratas me toldassem de todo a visão…

(M. Fa. R. - 25.06.2010)

09 setembro 2010

Estou farta de ser palhaço



Estou farta de ser palhaço
De me fecharem no circo
De me apertarem o cerco
E me taparem o sol

Estou farta de ser palhaço
De me sentir constrangida
De me saber ignorada
De me ter por mal-amada

Estou farta de ser palhaço
Estou farta de me ferir
Farta de fazer rir
E de por dentro chorar

Estou farta de ser palhaço
De riscar o céu de luar
E as nuvens de cor-de-rosa
E na volta nada trazer

Estou farta de ser palhaço
De tudo dar sem receber
Da paga sem merecer
Na noite que me fornecem

Estou farta de ser palhaço
Farta de me inventar
Farta de ser e me dar
Quando logo a seguir me esquecem

Estou farta de ser palhaço
Farta de ser mal olhada
Farta estou de ser pisada
Como boneco barato

Estou farta de ser palhaço
Palhaço de palha e cartão
A quem sacam o coração
Para assar e fritar no lume

Estou farta de ser palhaço
De afugentar os pardais
Com as roupas desbotadas
Em cima de um monte de estrume

Estou farta de ser palhaço
Das cores com que me pintam
Das dores que me provocam
Estou farta de ser palhaço

(13.08.2010)

Também publicado em Porosidade Etérea

22 agosto 2010

Voar é o limite

De Pablo PICASSO - Visage de la Paix
Quando motivação é palavra de ordem não há pedras no caminho que se não chutem para o lado, amarras que se não quebrem, barreiras que não se pulem. Quando a motivação abunda, mesmo que a vontade voe nas alturas pelo azul dos céus acabará por sobrevoar o azul dos olhos. Azul: a cor dos meus. Que se não fosse, outra cor seria na mesma para sobrevoar. Tenho de confessar que a minha vontade tem voado longe longe, bem junto à linha do horizonte e que só a motivação a tem puxado, com uma linha de seda quase imperceptível, para junto do olhar. Há trilhos que se têm de desafiar, encruzilhadas que se têm de vencer, etapas que se têm de cumprir. Durante um tempo vi, escrevi, vivi… Voei! E hoje, a vontade de escreviver tornou-se premência, quando um bom motivo rasgou as redes que lhe enclausuravam as asas impedindo-as de voar ao encontro de um limite. Um limite potencial. Um limite que não me limita mas que se impõe e me dói.
(M. Fa. R. – 03.02.2010)

17 agosto 2010

És boa como o milho mas eu não sou galinha



Provocas arrepios na pele. Toda tu és arrepios. Já te disseram que és boa como o milho?

Quando esta história começou nem te passava pela cabeça o rumo que ela iria tomar. Nem a mim tão-pouco. Acabámos a descer o rio em canoa. Para baixo era sempre a descer (dizem que para baixo é que é Lisboa). Mas havia rápidos que eram rápidos demais. Ai, a água que metemos! Numa curva apertada desequilibrámo-nos e virámos a canoa ao contrário. Quase te afogaste (só depois disso é que começaste a aprender a nadar) e tive de te salvar. Puxei-te para terra e fiz-te respiração boca a boca. (Que boca!). Não era preciso, disseste depois, mas gostaste, que eu bem percebi quando as nossas línguas aguaram. Foi, então, a minha vez de quase me afogar… nesse rio que escorria em ti. Mas salvei-me a tempo nas margens das tuas mãos que me seguraram.
Endireitámos, depois, a canoa e alinhámos rio abaixo, mas continuámos a meter água. A canoa avançava umas vezes aos solavancos, outras deslizando como em ringue de patinagem, e ainda outras muito à força de remar como se fosse contra a maré. E não chegámos à meta. Virámos para um afluente magro e barrento e saímos a poucos metros, porque se tornava impraticável a navegação, ficando enlameados e exaustos. Foi quase o salve-se quem puder, com um a escorregar daqui, outro a puxar dacolá… tentando trepar a margem. E eu já nem a mim me segurava, quanto mais a ti! Terminámos a aventura no chão, espalhados ao comprido!
Descansámos, enfim, sujos e perdidos, na terra cultivada de milheiros verdes e altos, que nos engoliam. As barbas tombavam das espigas tenras, como convite a serem desfolhadas. Dizem que o milho verde é bom para comer, e a fome até era mais do que muita, mas o cansaço venceu-me e adormeci na sombra daquele milheiral, com o sol a espreitar pelas frestas.
Acordei sozinho já o sol descaía. Ergui-me e procurei-te com os olhos, mas tinhas desaparecido. Ali perto, vi uma casa de quinta para onde me dirigi e lá me esperavas com um sorriso de orelha a orelha. Estavas melhor do que eu, lavada e reconfortada. E eu nada!
Aceitei um duche e uma velha camisola, e depois, esfomeado, não me fiz rogado ao pão de centeio e marmelada, que era o que havia – desculparam-se os donos da casa.
– Oh, oh! Delicioso!
Pois não! Burro com fome, cardos come! E o que é doce nunca amargou! (Quer dizer: nem tudo! Há doces que deixam um amargo na boca: tu.)
Pedi depois para telefonar a quem nos viesse buscar. Quando chegou a boleia, agradeci a hospitalidade e fomos. E a canoa seguiu viagem, não rio abaixo, mas camioneta acima.
Chegados ao destino, cada um foi à sua vida. E cada vida tomou o seu caminho.

E caímos num impasse: nem tu me ligavas, nem eu te esquecia. Até chegar o dia em que dei por mim, com insistência, a evocar aquele milheiral verde e em como és boa como o milho, e eu que não fui nem sou galinha!
Pois bem, mas não me importei de passar por galo e tentar! Se tu não me ligavas, liguei eu:
– Estou?… Sara?...
– André!… que saudades!
– Cocorococó!...

(M. Fa. R. - 16.07.2010)

27 julho 2010

Presença

Acabou por se levantar a custo da noite mal dormida, de cabeça pesada e de olhos colados pela manhã de sono que o dia lhe vinha roubar. A cama, que lhe custara a moldar ao corpo, bem que lhe pedia agora para esperar, mas o despertador digital, que lhe sobrara na mesinha de cabeceira, acenava que não. O tempo não se compadecia com esperas. Quão complicado de rodar a surpreendia, tantas vezes, o filme da vida! O mundo fazia-a correr, girar, muitas das vezes, sem indicar bem para onde ir. A vida dava-lhe voltas e trocava-lhas, sem contemplações pelo que ela pudesse sentir! Só um grande amor à vida era o seu companheiro das horas insubmissas, que o mundo nunca lhe tinha conseguido tirar. Com aquele amor fazia-se de forte na fraqueza que ocasionalmente a apertava. E nunca tinha deixado perder as esperanças de que dias luminosos pudessem chegar. Farta andava de calcorrear ruas, umas apinhadas de nada, outras vazias de tudo, outras com tudo e mais nada. Todas elas lhe sugeriam, pediam até, que era preciso ainda mais amar. E os sonhos sempre lhe voaram em liberdade. Eram gaivotas que não tinha deixado meter na prisão.
Por isso, não, não podia dormir quando a justiça social se faz ausente. (M.Fa.R. - 14.05.2010)

13 julho 2010

Noite de Verão



As noites de Verão
Também trazem solidão
Resquícios de sofrimento
Águas que gemem lamento
Sabor a sal e tormento
Aperto no coração

Nas asas de um condor
Um sonho de puro amor
Um sopro de maresia
Uma sede de infinito
Voo em forma de grito
Enquanto não nasce o dia

Noite de Verão
Entre a tarde e a manhã
Deixa leve a mágoa antiga
Deixa-me sorrir à vida
Esquecer a minha dor

Noite de Verão
Entre o sol e o luar
Traz alento ao meu viver
Traz sorriso ao meu querer
E deixa-me voar

(M. Fa. R. - 26.11.2009)

27 junho 2010

Aqui há gato!



O diabo anda à solta; mas: de noite todos os gatos são pardos. E ser advogado do diabo é tarefa ingrata (vá-se lá defender o indefensável!). No entanto, afirmo: de noite, todos os gatos são pardos!
Ora, os gatos dão-se pelo nome de bichos, ou bichas, conforme o seu género. Todavia, nem à luz do dia são muito fáceis de diferenciar, quanto mais de noite, na noite em que nos querem, na qual todos os gatos são pardos. Dizem que é o diabo a sete. Mas não. É exagero. O diabo não é um deles. É o diabo: não se dá pelo nome de bicho.
Os gatos, repito: de noite todos são pardos. Assim como nós, anónimos gatos de uma sociedade que se torna escura à luz do dia, onde só brilham brancos e siameses – gatos de uma raça superior. E nós, pobres diabos, temos que fazer pela vida, que só temos uma. Não somos gatos, que esses têm sete.
Será que os gatos têm mesmo sete vidas?! Talvez não. Ou talvez sim!... que alguns nunca mais se lhes vê o fim; e outros, coitados, mesmo com cada pontapé e trambolhão, mesmo sem direito a veterinário, lá vão, ainda que virados ao contrário, escapando, como podem, das tropelias que lhes fazem! Mas o diabo tem uma vida eterna pela frente. Se assim não fosse, certamente, não teria sido o escolhido, entre outros potenciais candidatos, para o fazerem andar no meio dos bichos, digo: dos gatos.
Isto é uma grande confusão! E não, ele não é um deles! Ele não é um desses quaisquer gatos! Tem andado entre eles, é um facto, mas não é um deles, entenda-se! Ele, neste caso, está inocente!...
Aqui há gato, efectivamente! Mas não é o diabo. Nem preto, nem pintado! É que: de noite todos os gatos são pardos. E enquanto uns vivem no inferno, para outros é só um paraíso pegado!
Parece que andam com o diabo no corpo! Mas não é o diabo o culpado.
O diabo anda à solta e vai continuar a andar; se há quem traz o diabo no corpo, a culpa não é só do diabo, mas é de quem o deixou entrar. Tenho dito!

(M.Fa.R. - 11.06.2010)

07 junho 2010

Das ovelhas não reza a estória - versão II - ou Uma estória de chacais



Ah, como eu gosto deles!
Não. Não e não!
Não sei nada.
Já não enxergo nada de nada.
Tudo o que antes me fascinava morreu.
Só uma alcateia de chacais me traz cativa.
Como tudo neles é belo!
Até se me afigura ficção!
Os seus olhos reflectem a luz do sol em raios de serenidade.
E harmonia.
E das suas vozes soltam-se arco-íris em bolas de sabão!
Ah, e então, até se quedam mudas as avezinhas ao ouvi-los uivar,
E se inclinam reverentes os verdes trigais ao vê-los atravessar!
Mas lembra-me desistir…
Uma dor sobrevoa-me as notas musicais
E não me deixa cantar tudo o que me morre na garganta.
É como uma sombra que me desfaz os acordes
E os tolhe de se expressarem em flor,
Em amor, em luz, em ilusão, em alimento.
Sim, é uma dor que se mistura com um grito e o seca.
Dor, angústia, revolta…
Então, não é que anda aí uma desmesurada corrosão
Em relvados que se enchem de buracos
E se vestem de degradação?!
É que é quase obsceno algum ódio de estimação!
Sugere-me uma sorte de castração…
Como se alguém que cala mais alto!
E ninguém entende a minha quietação,
O mutismo que estou a sentir!
É muito, mas hei-de singrar e mandá-los ganir!

(M.Fa.R. - 26.05.2010)

27 maio 2010

Das ovelhas não reza a estória



Ah, como eu gosto deles!
Não. Não e não!
Não sei nada.
Já não enxergo nada de nada.
Tudo o que antes me fascinava morreu.
Só os meus pastores de eleição me trazem cativa.
Como tudo neles é belo!
Até parece ficção!
Os seus olhos irradiam a luz do sol em raios de serenidade.
E paz.
E das suas vozes soltam-se arco-íris em bolas de sabão!
Ah, e então, até se quedam mudos os passarinhos ao ouvi-los cantar,
E se inclinam murchos os verdes prados quando os vêem passar!
Mas apetece-me desistir…
Uma dor sobrevoa-me as palavras
E não me deixa declarar tudo o que me morre na garganta.
É como uma sombra que me desfaz o verbo
E o tolhe de se expressar em flor,
Em amor, em luz, em ilusão, em pão.
Sim, é uma dor que se mistura com um grito e o seca.
Dor, angústia, revolta…
Então, não é que há por aí uma desmesurada corrosão
Em campos que perdem encantos
E se vestem de prantos?!
É que é quase obsceno algum ódio de estimação!
Parece que há como que uma castração…
Como se alguém que cala mais alto!
E ninguém percebe a minha aflição!
Tanta, que só me apetece dizer-lhes:
Vão dar banho ao cão!

(M.Fa.R. - 21.05.2010)

10 maio 2010

Assunto: Demissão de Deus




Um pedido de demissão de Deus é coisa que não lembra ao diabo. Mesmo estando esta Humanidade, definitivamente, desorientada. Talvez perdida, num mundo infestado de demónios. Quem sabe se a demissão de Deus não seria o que alguns quisessem, para depois poderem fazer tudo, mas tudo, o que bem (ou de mal) entendessem?! A estupidez humana não tem limites; e a irracionalidade é como uma doença que se apoderou dos Homens, que os turva de enxergar mais longe, mais Além do seu limitado horizonte.
Pois bem! Eu, Aquele que É, que sempre Foi, e que Está para voltar quando a pertinência chegar, mando dar a conhecer a toda a comunidade dos Homens que assim como fizerem, assim encontrarão.
Coloquei a liberdade nas suas mãos para que dela façam o uso que lhes aprouver. Mas eles, como animais que são, descendentes de animais, a nada mais parecem aspirar do que como animais viverem. É certo que nem todos. Há os que assim se dispõem, outros que se perdem por esquemas, e muitos outros que são vítimas dos sistemas. E também alguns ainda há, que são pequenos como crianças, que ainda têm almas puras e mansas. Não há uma só face: enquanto uma face da lua é negra, outra alumia na escuridão. Umas vezes em minguante, mas outras em crescente ou cheia da luz mais brilhante. Mesmo fazendo com que sombras se adensem. E pelo meio, milagres que ainda acontecem.
Mas, porque há quem prefira as sombras, os disparates sucedem-se.
Ah, humanidade corrompida que queres ser maior do que Deus, substituir-te a Deus!
Homens de fé desairada, que não precisais mais de Deus, que prescindis de Mim, interiorizai bem isto aqui, assim: Eu, Aquele que É, que sempre Foi, e que Está para voltar quando a pertinência chegar, obviamente, e porque outra coisa não seria de esperar, demito-Me de Me demitir! Digo e afirmo-vos isso, Eu, o Único que Sou o Princípio e o Fim!

(M. Fa. R. - 06.05.2010)

07 abril 2010

Sem Dedicatórias


Pablo Picasso, Visage De La Paix (Serigraph)

(...) A alguém que corta as asas a uma pequena ave, que ensaia os primeiros voos, é-se desobrigado de dedicatórias.

Quero acreditar que não o terão feito por mal. O que me custa a aceitar é que sempre se vangloriassem desse facto, como se o tivessem feito com a melhor das intenções. Mas não são as boas e as más intenções que contam para as estatísticas, só os actos concretos. E há actos concretos que resultam de intenções inconscientes, saídas de atitudes assumidas, de religiões ou filosofias de vida. O corte das minhas asas foi uma mutilação genital. Um acto, não de pura maldade, mas de maldade pura. Uma maldade como se faz às galinhas, quando se lhes cortam as penas das asas, para que elas não voem por cima do muro, para as manter sempre no lugar a que pertencem – a capoeira; para que não se aventurem por outros lugares e se percam neles; para que não cruzem outros mundos e se afastem dos donos. Como pode voar uma ave de asas cortadas?!

No entanto eu voei. Unicamente por mérito próprio, voei. Colei as asas e voei (mesmo podendo talvez haver quem não tenha visto isso com bons olhos). Tarde, é certo, mas voei… voo. Apesar de todas as contrariedades: asas que tive de saber colar; ventos que tive de amainar; tempestades que teimaram em me amedrontar; calor escaldante que tive de arrefecer; frio cortante que tive de ignorar; florestas que tive de desbravar; desertos que tive de regar; uma infinidade de horas e dias e anos e sonos que tive de me roubar. Voei. Um voo incerto, inseguro, mas que tem adquirido cada vez mais consistência. Um voo que foi uma das coisas mais belas de que pude desfrutar.

Mais do que a meta que o voo pretenda alcançar, é o caminho percorrido, o céu explorado, o melhor da jornada.

A minha alma sente gratidão por me distinguirem no voo, por entre tantas outras aves que brilham ao sol; a mim, uma pequena ave de asas coladas.

(M. Fa. R. - 04.01.2010)

22 março 2010

Luar

 

Sim, eu sei como o sol faz brilhar a lua cheia!
Não, não é disso que eu falo…
Era uma lua banhada de luz estonteante. Uma lua hidratada de cosmos, irradiando raios multicolores. Escreveu nela um arco-íris em manhã de primavera, soletrando pétalas de alfazema e de jasmim. E a voz do vento sussurrou-lhe poemas de calor e de esperança num mundo melhor. Mas vieram marés negras de ondas alterosas que galgaram dunas e lhe desfizeram pontões em guerras de alecrim e manjerona. Doeu o fundo do mar. Cantou a sereia e fez chorar. Chegou até ela o grito da natureza que lhe abalou os corais, mas resistiu e redesenhou o luar.

(M. Fa. R. - 09.01.2010)

18 fevereiro 2010

O ódio e o amor

Cinquenta dias e uma hora depois de desafortunado lançamento que tanto pó levantou, eis que o senhor se dispôs a interpelar o autor da tragicomédia, mas sem se fazer anunciar nem por estrondosos trovões a ralhar, nem fazendo cair o céu à terra do meio daquela nuvem negra de pó que ainda não tinha assentado, mas apenas levemente num breve sussurro ao ouvido, Depois de velho perdeste o resto do pudor e o senso, ao que o interpelado, um tanto atrapalhado e aturdido, mas percebendo que voz era aquela que lhe falava e decidido a fazer-lhe frente, fez-se muito convencido de si, ainda que respondesse a seu modo meio atado, E que deus és tu que para enaltecer abel desprezas caim, Eu sou aquele que sou, que era, que está e que há-de vir, apontando-lhe com o dedo em riste, ouviste, enalteci abel, sim, mas não desprezei caim, antes o procurei reabilitar e avisar para não seguir aquele caminho de perdição, e tu porque tomas o partido de um assassino que mata o irmão, Ora, tu és um deus cruel, invejoso, insuportável que vens aqui atormentar-me a razão que é a minha moral, és um inútil que se esconde num manual de maus costumes, um catálogo de crueldade, do pior da natureza humana, que antes dos sete dias que durou a tua obra criadora não fizeste nada e depois disso nada mais fizeste. Perante esta dureza de coração do seu interlocutor, deus procura fazê-lo ver, Não, eu sou o senhor, um deus de amor, porque me nutres tu ódio de morte, por que estás irado, quando grande é o teu pecado e é imenso o clamor que chega até mim, eu desci para ver se as tuas obras correspondem realmente a esse clamor e estou a ver que sim, semeaste a difamação no meio de meu povo, quando lhe vendeste um mundo novo desenhado pelas tuas profanas mãos, agora só te poderá valer o poder da oração que por ti farão. Não havia mais nada a dizer. O escritor ficou baço e o senhor desapareceu antes que este desse um passo.
(M. Fa. R. - 16.12.2009)

01 fevereiro 2010

Fevereiro

Fevereiro parece que não é um mês inteiro. Tem vinte e oito dias, mas de quatro em quatro anos tem um dia a mais. É o mês que vem acertar o tempo. É o mais curto, mas nem por isso deixa de fazer das suas: traz chuva e neve; e Carnaval! Ainda assim, dá para as mais variadas sementeiras; e para as mais garridas e concorridas asneiras.
M. Fa. R. (17.03.2009)

13 janeiro 2010

Lado Certo



Imagem: Obama the Messiah

O mundo, hoje, nasceu-me virado ao contrário – acordei nessa nítida sensação.
Preciso de vir, novamente, derramar do meu carma nestas folhas amigas que me entendem, e que mais ninguém conhece, numa tentativa de expurgar os meus erros, apurar o meu saldo.
Fui obrigado a quebrar a minha primeira promessa e agora há quem me acuse de vendedor de ilusões e, até mesmo, de presidente falhado.
Não me deu a paz o Nobel.
Sou obrigado a admitir que recebi uma herança demasiado obesa; tão ou mais do que as palavras que me fizeram deus: “Yes, we can!”.
Encerrar Guantánamo não é assim tão fácil como pensei e prometi; é assunto demasiado pesado para ser resolvido da noite para o dia. Agora percebo que só miraculosamente não seria adiado, quando o maior obstáculo está no julgamento dos detidos e no seu repatriamento. Todavia, em público, não me mostrei desapontado com isso, pois tenho de continuar a ser o messias esperado. Falei e disse que este encerramento é algo tecnicamente difícil e que nos EUA ainda existem várias resistências: “As pessoas, penso que de forma compreensível, têm medo, depois de vários anos em que lhes foi dito que Guantánamo era crítico para manter os terroristas”.
O mundo, hoje, nasceu-me virado ao contrário, mas sinto que lhe dei a volta de modo fascinoso, que de uma maneira simples e convincente, com todo o meu empenho e eloquência, consegui passar uma mensagem credível, para que o mundo não deixe de acreditar em mim e sinta que irei concretizar a minha promessa. Sim, essa será uma realidade: Guantánamo irá ser encerrado no próximo ano. Preciso é de me convencer a mim próprio. E, amanhã, o mundo nascerá do lado certo. Estou certo que: do meu!

(M. Fa. R. - 24.11.2009)

07 janeiro 2010

Pessoa [s]em Máscara


Pintura de Norberto Nunes

Poeta plural, desdobrado em diferentes identidades ou máscaras e, por conseguinte, em diferentes escritas com diferentes características, Fernando Pessoa é um escritor modernista português, nascido em Lisboa a 13 de Junho de 1988, de enorme valor da nossa literatura e da literatura mundial. As palavras são-lhe a vida.
E: Gostaria de começar por lhe perguntar porque é que se desdobra em diferentes personalidades ou heterónimos.
F P: Tenho um problema que é o de não me conseguir encontrar. Por isso, sou um ser fragmentado, com várias sensibilidades e realidades que coexistem em mim e comigo.
E: Podemos entender que, conforme as suas emoções do momento, assim adopta uma identidade diferente - ortónimo ou heterónimos?
F P: Antes de mais, sou um fingidor, um racional, distanciado de emoções…
E: É assim que decifra esse seu enigma de ser?
F P: Eu não sou! Eu sou um sonho de ser. Mesmo olhando-me a um espelho de águas paradas não me vejo a mim. Só vejo cansaço, inquietação, frenesim. Fragmentos.
E: Essa é a sua verdade!...
F P: A verdade é impossível de alcançar. Procuro-a incessantemente e sei que nunca a irei encontrar. Estilhaço-me, mas em vão… nem assim consigo pensar tudo, fazer tudo ou descobrir tudo o que quero. O mundo está inundado de coisas inatingíveis que não sei se são vontades ou pensamentos.
E: Então o que há a fazer?
F P: Agarrar a vida, o amor… não passar pela vida sem a viver condignamente. A vida de facilidades não é verdadeira vida. Os problemas da vida ajudam-nos a crescer.
E: Quer deixar-nos algumas palavras ou mensagem para 2010?
F P: Não lutes contra o que não pode ser de maneira diferente. Rodeia-te de coisas boas. “Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.”

(M. Fa. R. - 28.12.2009)

01 janeiro 2010

Janeiro



Janeiro é o primeiro mês do ano: ele olha para o ano que termina e confia que seja sempre melhor o que se inicia. Tem frio, chuva e, principalmente, geada. Brilha a lua e miam-lhe os gatos. Os dias começam a ser maiores, o que é bom para as lavouras. É tempo de preparar as terras para todas as culturas do ano; e de cortar madeira. E de aproveitar para o prazer e o sono à lareira.

M. Fa. R. (17.03.2009)


Bom Ano Novo!

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