13 março 2011

A Imagem



Para aqueles que a rodeiam ela é, manifestamente, a personificação da perfeição. Ela é que é. Ela é que sabe. Os homens quase lhe beijam o chão que pisa, mendigando-lhe um rasgo do seu olhar; as mulheres vêem nela o ídolo a imitar.
No entanto, aos trinta e cinco anos, o mundo soa-lhe a uma porta semiaberta. Pela fresta, do lado de fora, a multidão a aplaudi-la; do lado de dentro um turbilhão de insegurança a tolhê-la: nunca saberia se todo aquele apreço seria sincero ou fingido.
Logo de manhã, qual madrasta da Branca de Neve, depõe no espelho o seu reflexo, para dele retirar alguma da confiança que a sustente debaixo do sol ou das luzes da ribalta. Mais um jeito daqui, um retoque dacolá – malditas rugas que a cada dia mais espreitam e mais máscara exigem. E são minutos incontados na produção da imagem de marca que lhe terá de assentar como luva. Depois revê mentalmente alguns dos passos que deverá dar, apostando-se em fugir de todos os outros que não puder controlar. Havia frutos de que não podia desistir, apesar de se encontrarem no cimo de uma árvore alta. O apetite levava-a a calcular tudo minuciosamente para evitar escorregadelas em tronco ensebado. Se resvalasse estatelar-se-ia ante os olhos de todos – vivia encostada a esse medo. Por isso tinha de ser precavida: a imagem tinha de ser extremamente produzida. E os passos eram contados. Contidos. Ofegantes no receio de fracassar. Quando a imagem que se quer passar é baseada em artificialidade escondida isso gera, seguramente, insegurança. Ela ainda não é ela toda, mas tem de o ser. Depressa. Agradar. Para saber a ela inteira tem que agradar sempre. Nem que lhe tenha que doer.
Agradar. Agradar o tempo inteiro é o seu único objectivo de vida. E receber sempre a ovação que daí emana. Mas morria no constante degredo de que a qualquer momento lhe espetassem o dedo: isto não é coisa da Joana.

(M. Fa. R. - 21.12.2010)

16 comentários:

O Árabe disse...

Belo. Fez-lhe lembrar de um belo poema, que termina mais ou menos assim: "Mas se pudesse o espírito que chora/Ver através da máscara da face/Tanta gente que inveja agora nos causa/Talvez piedade então nos causasse". Profundo... muito profundo. Boa semana, amiga!

mfc disse...

Uma análise, quase introspectiva, que nos diz da aflição e negação de um certo caminho para a construção de uma "certa" imagem de perfeição que sempre espera o louvor dos outros!
Quero muito viver com as minhas imperfeições.... tal como a Joana!

avlisjota disse...

Viver da imagem é abdicar duma vida própria, sentida. Vive-se em função do exterior, quando o que conta é o que está dentro de cada ser humano...

Bj Fá

José

sonho disse...

Não se consegue agradar sempre...
Beijo d'anjo

Lilá(s) disse...

Abdicar sempre pode deixar marcas. Muito lindo!
Bjs

Mar Arável disse...

por vezes

tão frágil

o brilho dos cristais

Nilson Barcelli disse...

Quem vive para agradar aos outros não anda em liberdade.
Mas também não é preciso desagradar...
Texto muito bom, gostei.

Olinda Melo disse...

Olá, Fa

Na verdade,ter a preocupação de agradar sempre é uma prisão. Joana tem a perfeita noção disso o que a deixa ainda mais insegura, mas com um grande desejo de arrepiar caminho e voltar ser ela própria.Muito bom texto.

Beijo
Olinda

helia disse...

Antes de nos preocuparmos em agradar aos outros , temos que agradar a nós próprios!
Gostei do texto
Bom Fim de semana

Vanuza Pantaleão disse...

Ser agradável aos semelhantes é bom, pois também esperamos o mesmo tratamento.
Questão complexa, interessante.
Beijos, amiga!!!

tulipa disse...

Como sempre um belíssimo texto seu, que gostei de ler.

MARÇO
para mim, MARÇO é um mês que significa muito na minha vida; tantas coisas têm acontecido nos MARÇOS da minha existência.

Hoje estou numa de recordações. Houve tempos em que queria esquecer a fase final do meu KALINKA, mas agora já aceito, porque eu mudei e fui à procura de uma nova vida.
SIM, com a ajuda daquela pessoa que tudo fez para que eu tivesse um blogue, a minha sobrinha TÂNIA, que partiu deste Mundo, há quase 2 anos - vai fazer domingo - dia 27 que a princesa nos deixou.
Era um SER ESPECIAL e DEUS quer junto d'Ele todos os seres especiais.
Daí que eu esteja numa fase de introspecção neste fim de semana, pois a TÂNIA faz-me muita falta, mesmo muita.
Com ela partilhava tudo!
Estou aqui a recordar o início do blog "KALINKA"
20 de Março de 2005 – Início de uma nova vida!

HÁ 6 ANOS QUE FAÇO PARTE DA BLOGOSFERA.

"Deabrilemdiante" festeja a existência de 30.000 visitantes, é uma espécie de continuação do Kalinka.

Ailime disse...

Amiga Fá,
Este texto como sempre muito bem escrito e que foca um tema tão actual e que denuncia bem algumas das nossas fragilidades humanas.
Um convite a olharmo-nos bem dentro de nós e corrigir o que não está bem.
Conversão, reconciliação, fraternidade.
Beijinhos.
Bom fim de semana.
Ailime

Pena disse...

Estimada Amiga:
As ribaltas da fama se não for com humildade esvaíem-se. Desaparecem.
Excelente! Bela lição que já registei.
Beiinhos de respeito.
Com admiração constante.

pena

" R y k @ r d o " disse...

Diz-se que a imagem nem sempre agrada a gregos e troianos. Mas a verdade é que tratar, e ter uma boa imagem "abre" muitas "portas" sem dúvida alguma.
.
Abraço poético.
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Majo Dutra disse...

interessantw, Fá e sempre atual, porque não faltam
em todas as gerações, tontinhas e fúteis...
Viver para agradar, triste destino!
Saúde e dias bons. Beijinhos
~~~~~~~

Porventura escrevo disse...

Uma dissertação muito atual
Adorei

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