08 junho 2018

Poeira



Há poeira no ar. No chão da rua. Nas escadas de cimento velho que levam ao primeiro andar...  
Infiltra-se nas casas através das frinchas, e vai até ao mais recôndito da alma – um outro patamar.
Quando chove pode enfim remover-se a poeira que se tinha acumulado e tornado eira, esteira, ladeira íngreme e pestilenta, escorregadia. A chuva refresca, lava e depura a macilenta agrura em que se tornou o dia-a-dia de poeira-eira-esteira-ladeira. 
Mas há poeira a formar-se continuamente no mesmo lugar. 
E quando chove dias a fio, num tempo em que se esperava estio, a poeira-eira-esteira-ladeira engole-se à mesa da cozinha defumada, como se broa bolorenta fora manjar. 

Por vezes é preciso deixar a poeira assentar. E depois a chuva cair. E regar. Lavar. Escorrer. Até parar. 

Mas como tantas vezes isso tarda em acontecer!

16 comentários:

Alfacinha disse...

Admiravel, como a Senhora escreve um texto tão lindo e fluente .Além disso usando um vocabulário que é muito estudioso para mim.
Abraço

By Me disse...

Sim, um texto inteligente, melódico, interessante. Adorei!

Beijinho e bfs

Ana Tapadas disse...

Sim, por vezes é necessário deixar a poeira assentar!
Gostei muito da prosa poética.

Bj

Victor Barão disse...

Gosto muito desta "Poeira" escrita, que a meu humilde ver condensa de fina forma literária o contínuo e, no limite, dilemático acumular de poeira desta nossa existência!

Beijos, com votos de excelente semana
VB

Olinda Melo disse...


Olá, Fá


A chuva na sua missão benfazeja traz-nos frescura e lava e alimenta as nossas almas sedentas de paz.

Bj

Olinda

Maré Viva disse...

Lindooo texto.AMEI!
É preciso deixar a poeira assentar e depois lavar, lavar, até que tudo fique a brilhar.
Gosto de poesia, mas também amo a prosa e este texto tocou-me muito.
Obrigada.Beijinhos.

Ana Freire disse...

Um texto muito bem imaginado, Fá!...
Hoje passei por aqui, para conhecer este cantinho, que adorei descobrir! E apreciar o seu talento para a escrita!...
Parabéns! Adorei!
Beijinhos! Boa semana!
Ana

José Carlos Sant Anna disse...

Fá,
Gostei demais desta "prosa poética". Muita musicalidade, ritmo. E da poesia saindo dos poros de cada palavra. sobretudo da maturidade de "cada palavra exposta".
Beijinhos,

Quase Cinderela disse...

Que texto fantástico... Deixa-nos a divagar nos pensamentos.
Muito obrigada por partilhar
Beijinho

Parapeito disse...

Pois é....Por vezes é preciso.
palavras cheias que entram dentro de nós e fazem ninho junto da alma . Adorei esta Poeira
brisas doces *****

edna figueiredo disse...

Querida amiga,
seu texto tem uma beleza e delicadeza que me encantou.
Por vezes, é preciso agir como a natureza. Esperar a que venha a chuva para lavar a terra seca e fazer brotar vida nova.
Beijos, parabéns pelo dom tão belo de sua escrita.

Majo Dutra disse...

Até senti sufoco com tanta poeira... Srrssssss...
O belo texto poético reporta-me a um lugar de
clima desértico...
Beijinhos, Fá.
~~~~~

" R y k @ r d o " disse...

Texto lindíssimo de ler. Elogio e aplaudo a forma que usa no trocadilho das palavras. Muito bom

Feliz fim de semana.

Teresa Almeida disse...

Olá, Fá!
Vim, parei e senti-me bem. A prosa é maturada como quem espera que a poeira assente e a palavra se solte cristalina.

Voltarei.

Beijos.

Ulisses de Carvalho disse...

para lavar a alma e ela se expandir possibilitando que haja mais mundo dentro de si! um beijo.

Porventura escrevo disse...

Neste caso é uma Poeira invasiva
😊
Ainda bem que já se foi embora

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