(Foto de Marat Sirotjukov)
Vem aí o Natal.
Dezembro, mês do frio… muito frio!
A cada dia que passa, a tristeza e a revolta invadem-me mais a alma, são o meu pão de cada dia. Imagino as mesas postas, com toalhas alegres e coloridas, cheias de doces, filhoses e outros fritos polvilhados de açúcar e canela. Mesas fartas de saborosos petiscos e carnes variadas. Crianças a correrem pela casa, com os sorrisos alegres de quem nada lhes falta. Elas sabem que as prendas já estão à sua espera, dentro dos embrulhos atados com os laços prateados e dourados. Em cada lareira crepita um lume aconchegante que aquece lares e corações.
E eu… eu passo por um período difícil na minha vida, que nunca pensei possível de me vir a acontecer. Sinto-me impotente para sair deste mundo cada vez mais ruinoso, à beirinha de cair num poço sem fundo. Já perdi tudo o que era possível perder, até a dignidade.
Eu também tive uma família na qual punha todo o meu orgulho. Linda, harmoniosa, que dava gosto de se ver, até ao dia em que a adversidade me bateu à porta e me foi, aos poucos, deixando na rua da amargura.
Vi o sol a desaparecer do meu dia e este precipitar-se numa noite sem fim, quando os primeiros raios da crise deram o seu sinal, numa casa onde nunca tinha faltado nada. E tudo o que tinha vindo a construir, com todo o empenho, se foi desmoronando como um castelo de cartas.
Os meus fantasmas atormentam-me continuamente. Foi o meu desemprego inesperado e algum tempo depois a falência da pequena empresa da família.
Como é que se pagavam as prestações dos carros, da casa, da mobília? Tudo teve que ser vendido, por muito menos de metade do preço de compra original, para pagar as dívidas, e não chegou. O cartão de crédito foi gasto até ao limite. Em vez de uma casa, passou a ser um quarto alugado para dois adultos e duas crianças. As crianças começaram a ir muitas vezes para a escola sem pequeno-almoço e sem nada para o lanche, quando não sobrava nada para lhes dar de comer. E aconteceu a ruptura familiar, pois “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. E as crianças foram levadas para uma Instituição porque estavam em risco.
Dizem que uma grande dor sozinha mata menos do que muitas mais pequenas. Não sei, mas talvez... porque as facadas que me têm sido sucessivamente espetadas, me levaram a ir definhando lentamente até que, um dia destes, tudo se poderá vir a consumar definitivamente, por aí, numa qualquer sarjeta.
Agora só a miséria mora comigo, ou eu com ela. Eu sou este corpo à espera de uma qualquer cama ou canto onde afogue a pobreza, onde esqueça as cores gélidas de um frio que se me entranhou nas carnes já decepadas de um espírito que um dia foi luminoso, para ser, em cada dia, protagonista num espectáculo da fome.
E é sempre a mesma coisa todos os anos por esta altura. Lembra-se muito os pobres, dá-se umas esmolas aos pobrezinhos, uns caldos, umas sopas de Natal e depois cada um vai à sua vida até ao ano seguinte, porque já descarregaram a consciência. Como se o pobre só comesse uma vez por ano! Será isto espírito de Natal?
Eu sempre ouvi dizer que Natal é quando o Homem quiser. Mas se calhar, é só mesmo quando o Homem quiser!
Por isso é que os que tem o grande poder, capaz de reverter as condições das pessoas como eu, de vez em quando juntam-se para trocarem impressões sobre assuntos relacionados com pobreza… mas ficam-se pelos discursos e pelas jantaradas obscenas onde isso se discute, com os media a dar cobertura.
Queria que essa comida lhes soubesse a podre e a vomitassem em vez das palavras gastas!
Neste Natal, queria que a pobreza lhes entrasse por todos os orifícios do corpo... por todos os poros da pele.
Talvez que assim tivessem a real percepção do que é a pobreza... e compreendessem um pouco da verdadeira dimensão do Natal.
Dezembro, mês do frio… muito frio!
A cada dia que passa, a tristeza e a revolta invadem-me mais a alma, são o meu pão de cada dia. Imagino as mesas postas, com toalhas alegres e coloridas, cheias de doces, filhoses e outros fritos polvilhados de açúcar e canela. Mesas fartas de saborosos petiscos e carnes variadas. Crianças a correrem pela casa, com os sorrisos alegres de quem nada lhes falta. Elas sabem que as prendas já estão à sua espera, dentro dos embrulhos atados com os laços prateados e dourados. Em cada lareira crepita um lume aconchegante que aquece lares e corações.
E eu… eu passo por um período difícil na minha vida, que nunca pensei possível de me vir a acontecer. Sinto-me impotente para sair deste mundo cada vez mais ruinoso, à beirinha de cair num poço sem fundo. Já perdi tudo o que era possível perder, até a dignidade.
Eu também tive uma família na qual punha todo o meu orgulho. Linda, harmoniosa, que dava gosto de se ver, até ao dia em que a adversidade me bateu à porta e me foi, aos poucos, deixando na rua da amargura.
Vi o sol a desaparecer do meu dia e este precipitar-se numa noite sem fim, quando os primeiros raios da crise deram o seu sinal, numa casa onde nunca tinha faltado nada. E tudo o que tinha vindo a construir, com todo o empenho, se foi desmoronando como um castelo de cartas.
Os meus fantasmas atormentam-me continuamente. Foi o meu desemprego inesperado e algum tempo depois a falência da pequena empresa da família.
Como é que se pagavam as prestações dos carros, da casa, da mobília? Tudo teve que ser vendido, por muito menos de metade do preço de compra original, para pagar as dívidas, e não chegou. O cartão de crédito foi gasto até ao limite. Em vez de uma casa, passou a ser um quarto alugado para dois adultos e duas crianças. As crianças começaram a ir muitas vezes para a escola sem pequeno-almoço e sem nada para o lanche, quando não sobrava nada para lhes dar de comer. E aconteceu a ruptura familiar, pois “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. E as crianças foram levadas para uma Instituição porque estavam em risco.
Dizem que uma grande dor sozinha mata menos do que muitas mais pequenas. Não sei, mas talvez... porque as facadas que me têm sido sucessivamente espetadas, me levaram a ir definhando lentamente até que, um dia destes, tudo se poderá vir a consumar definitivamente, por aí, numa qualquer sarjeta.
Agora só a miséria mora comigo, ou eu com ela. Eu sou este corpo à espera de uma qualquer cama ou canto onde afogue a pobreza, onde esqueça as cores gélidas de um frio que se me entranhou nas carnes já decepadas de um espírito que um dia foi luminoso, para ser, em cada dia, protagonista num espectáculo da fome.
E é sempre a mesma coisa todos os anos por esta altura. Lembra-se muito os pobres, dá-se umas esmolas aos pobrezinhos, uns caldos, umas sopas de Natal e depois cada um vai à sua vida até ao ano seguinte, porque já descarregaram a consciência. Como se o pobre só comesse uma vez por ano! Será isto espírito de Natal?
Eu sempre ouvi dizer que Natal é quando o Homem quiser. Mas se calhar, é só mesmo quando o Homem quiser!
Por isso é que os que tem o grande poder, capaz de reverter as condições das pessoas como eu, de vez em quando juntam-se para trocarem impressões sobre assuntos relacionados com pobreza… mas ficam-se pelos discursos e pelas jantaradas obscenas onde isso se discute, com os media a dar cobertura.
Queria que essa comida lhes soubesse a podre e a vomitassem em vez das palavras gastas!
Neste Natal, queria que a pobreza lhes entrasse por todos os orifícios do corpo... por todos os poros da pele.
Talvez que assim tivessem a real percepção do que é a pobreza... e compreendessem um pouco da verdadeira dimensão do Natal.
(M. Fa. R. - 04.12.2008)
às vezes é preciso deixar os julgamentos para o divino e ser maior que este para sublevar os que não nos fizeram bem, sendo capaz de dar de nós a outra face, e ter a certeza da nossa própria grandeza.
ResponderEliminar*
ResponderEliminarbem-hajas amiga,
,
é um crime
falar em opulentos consoadas,
no mundo em que estamos,
do País que nos é padrasto,
deste povo que somos . . .
,
se quisesse a gente rica,
quando se levanta da mesa,
com os restos que lá fica,
matava a fome á pobreza . . .
,
lúcidas conchinhas,
,
*
É um belo e verdadeiro texto amiga Fa.
ResponderEliminarObrigado!
Querida Fa,
ResponderEliminarAs tuas palavras são o retrato fiel da beleza da integridade de um "ser" com um coração cheio de revolta pelo sofrimento mas, também, cheio de cor que ilumina um saber sorrir.
bj...nho
Sabes minha amiga?
ResponderEliminarHá pessoas tão pobres, tão pobres... mas mesmo tão pobres, que só têm dinheiro.
Beijinho fraterno
Um texto triste que mostra como a vida se pode tornar injusta e cheia de contrastes.
ResponderEliminarBeijos.
Fá que texto tão belo e como seria bom se nem tudo que escreveste fosse verdade, mas infelizmente é o retrato do nosso mundo desajeitado, desajustado e cheio de injustiças.
ResponderEliminarbeijinho
excelente este teu texto, abordando um tema tão intenso como é o natal e como se pode viver esta quadra
ResponderEliminaré mesmo um pecado esses discuros e opulentes jantaradas só para se fazerem ouvir nas reportagens dos media, e até uma questão de respeito e amor próprios deturpados pelas acções que se praticam tão divergentes daquilo que se "apregoa" com palavras mais que gastas!
beijinhos
Não te conformes.... revolta-te.
ResponderEliminarMantem esse espírito de revolta bem vivo.
Um dia com a nossa vontade vamos fazer um mundo novo.
Um grande abraço.
Que todos os dias sejam natais.
ResponderEliminarLindo texto!
Beijinho grande
Mário
O Natal (os Natais, melhor escrevendo, que a pobreza é de todos os dias do ano) não será quando o homem (assim mesmo, com letra minúscula) quiser, mas quando os Homens quiserem. Pelo menos parece-me mais democrático, embora saibamos que há colectivos plurais que para funcionarem é um castigo...
ResponderEliminarQuando se está instalado no poder, perde-se a percepção da vida quotidiana e das consequentes dificuldades da vida; digo eu, que nunca "lá estive" e não quero ser demasiado agressivo na quadra "de paz" em que entramos agora. Mas depois das "tréguas" começo a dar-lhes no toutiço que é um ver se te avias...
Beijos e sorrisos.
Querida menina-mulher :-)
ResponderEliminarSê essa revolta que sentes, e que os dias se transformem com a nossa vontade, pois há vontades iguais e acreditar que conseguimos mudar, é já uma forma de te fazer sorrir.
Este ano decidi não celebrar o Natal. Há lugares vazios na mesa...
Beijossssssssss
Que se faça Natal, que se faça Solidariedade , que se faça Amor!
ResponderEliminarQue tudo isto seja realidade.
Vim agradecer a visita no Nova Civilização e me deparei com esse seu texto. Falaste tudo nele... realmente repensar o Natal e encontrar o seu verdadeiro significado pois o mundo cada vez mais se atola em materialidade e futilidade em coisas vazias ausente do verdadeiro sentimento do amor de Deus!Muitas vezes só acordamos quando de fato percebemos o real significado da vida. Para isso percorremos caminhos que nos levam ao amor de Deus podendo ser caminhos de amor ou de dor, mas precisamos caminhar...
ResponderEliminarobrigada pela partilhas
Abraços fraternos,
Gisele
Querida Fá...
ResponderEliminarA tua coragem emocionou-me!
Deixa que te abrace para que sintas que as tuas palavras não foram em vão...
Acredita que as sombras da vida vão desaparecer e o sol voltará a ocupar o vazio dos teus dias!
AL
Amigos,
ResponderEliminarimporta esclarecer que esta estória não se passa comigo.
Mas escrevi-a sentindo as dores das realidades à minha volta.
Obrigada a todos e construamos o Natal à nossa volta, todos os dias, por insignificantes que nos possam parecer os nossos gestos para tornar o mundo um pouco melhor.
Que se faça Natal!
Grande Fá,
ResponderEliminarEscreveste-o tão bem que bem podiamos acreditar que se passava contigo, mas que a sentes igualmente na pele, é flagrante. Parabens por isso.
Há tanto tempo que não passava por cá, mas que bom também e porque assim tenho mais um ou dois post para ler ;)
é preciso que homem queira fazer acontecer o Natal todos os dias.
Um grande beijinho,
Malu
Por mais que sintamos nunca sentimos o que deveras se sente...
ResponderEliminarSer por momentos o outro, entendermos o outro, ser solidários com o outro não nos faz ser o outro...
O sofrimento é único em cada pessoa.
Os valores são pessoais personificam e caracterizam o individuo...
A consciência é mais utópica do que a utópica mais Valia-Valia Marxista.
Bjs Fa
Bonito texto, gostei muito do teu blog.
ResponderEliminarCom ou sem Natal, dsejo-te tudo de bom
Fá,
ResponderEliminarEste texto está muito bom, porque nos revela o outro lado cruel e real do que pode ser o Natal. Infelizmente ele é assim para muita gente, gente essa que é ofoscada pelas luzes e pelo colorido do Natal. É preciso fazer sempre este tipo de alertas, para que todas estas situações não se deixem cair no esquecimento.
Bjo.
Não conhecia esta "casa".
ResponderEliminarAndei por aí a dar uma vista de olhos ás diversas divisões.
Gostei da construção e vou tentar regressar, se não esquecer o caminho.
Agora o natal, esse dia que cada um possui e não o que se quer associar a um desenfreado consumismo, onde se carpem as "mágoas" dum ano inteiro, afogando-nos em comezainas e de pantagruelismo.
Será que há um pão para todos e para cada um de per si?
Por isso gosto do Natal quando chega o dia 2 de Janeiro e estou livre ...
Cumprimentos e gostei mesmo da casa.