16 maio 2011

Palavras, palavras, palavras...



Queria mergulhar as palavras (muitas das palavras) em água com lixivia, para que se diluíssem como manchas de vinho ou de sangue. Porque são isso muitas delas: manchas de vinho e de sangue. Manchas de vinho que lembram embriaguezes; manchas de sangue largado de feridas. Umas e outras afogueadas de dores, precursoras e persuasoras de outros olores. Todas danam o pano em que caem, mesmo pano-cru (no melhor pano cai a nódoa).
Queria mergulhar um monte de palavras em água com lixivia para que os micróbios que as infectam sucumbissem nessa solução.
Queria corar ao sol as palavras. Todas as palavras. Para que se tornassem brancas, puras, imaculadas, resplandecentes. De vida. Para que se tornassem transparentes e se pudesse ver a alma através delas. Porque umas são manchas de vinho; outras de sangue. Outras são pejadas de infecções por vermes de toda a espécie. Outras, ainda, são noite de breu. Umas e outras cruzam-se em nódoas emaranhadas, tão apertadas que, muito dificilmente, um raio de claridade consegue por elas furar.
E se as nódoas que embotam o pano da alma bebessem água oxigenada? Talvez respirando desse oxigénio perdessem a cor cianozada, que deixa qualquer alma manchada. Valeria a pena? Valeria sempre a pena se a alma…
Ah, queria, então, ensopar outro rol de palavras com água oxigenada, para que efervescendo espumassem e assim se depurassem. Por fim, enxaguá-las, a todas, até ficarem reluzentes, espelhadas.
É que não queria perceber um ror de palavras enquanto não fossem todas lavadas. Porque fazem mal, porque doem, moem, ou enganam e nos tramam; porque constrangem ou oprimem; porque não são inocentes, fazem muitos padecentes, uns ou outros meio dormentes; e mesmo se não nos matam, nos deixam a todos doentes.

16 comentários:

  1. Há palavras assim, de facto.
    Mas têm a vantagem de dar mais brilho às lavadas.
    Porque tudo é relativo...
    Um bom texto, gostei.
    Beijos.

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  2. Sim... mas desse modo deixariam de ser palavras!
    Teriam já um outro significado!
    Perderiam a sua verdade.

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  3. Excelente post! Gostei
    Bjo

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  4. Há palavras assim como dizes, talvez por isso tenhamos que as escolher muito bem...
    Beijinhos

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  5. Mergulhar as palavras no silêncio...
    Beijos.

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  6. Há palavras que ferem como punhais... e matam como balas!
    Mas, outras há que nos enchem a alma!
    É o poder da palavra que, no fundo, ainda funciona,
    como tudo na vida.
    Vejo, nas tuas,
    um grande sinal de esperança de vida melhor.

    Bom fim de semana
    Beijo

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  7. Olá, Fa

    Excelente texto.

    Palavras leva-as o vento, diz o ditado, mas antes aquelas que ferem, magoam, deixam um rasto indelével.Há em nós um dom que nos leva a depurá-las: a nossa consciência e os nossos valores.E seria a tal 'lixívia' necessária para que elas se tornem palavras de amor e tolerância.

    Beijo

    Olinda

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  8. pois, há palavras que realemnet magoam muito.

    mas, se há algo que não se pode lavar, são as palavras.

    bom fim de semana!

    beij

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  9. Estas palavras estão a ficar encardidas... precisam de ser renovadas...
    Beijos, querida amiga.

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  10. ... mas também as conheço

    a respirar por guelras

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  11. A palavra é uma arma branca...

    de dois gumes!

    Saudações poéticas

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  12. Menina musical
    este foi um dia especial
    e tive muitas palavras...
    as que lavam a alma
    e pedem à vida para ter calma...
    mas já vai longe o dia
    e já outro nasceu e morreu
    e já muita palavra se perdeu...
    e na vida das palavras
    mergulhamos em nódoa ou perfume
    como água ou lume
    e vem silêncio que as venceu! :)

    Beijinhos e desculpa este atraso meu!!

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  13. Amiga Fá,
    Deixo poucas palavras, mas que gostei do que li, lá isso gostei:).
    Beijinhos,
    Ailime

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  14. Teus textos sempre encantam, são cheios de verdades e trazem reflexões.Lindo! bjs, chica

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  15. Diz-se que " As palavras leva-as o vento ". É pena que esse vento as "varra" e não as escolha. Diz o texto que gostava de poder lavar as palavras. Se calhar, seria muito mais fácil, poder-se lavar as bocas que as pronunciam.
    Elogio a forma poética - muito sonhadora - com que foi escrito este texto. E a Fá Menor, que assim o escreveu tem o dom da pura ... palavra.
    .
    Feliz fim de semana … cumprimentos
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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  16. Compreendo o horror de certas palavras e do tipo de gente que as profere, do tipo de gente que as escreve! E do tipo de gente que as coloca em prática! E a contaminação em efeito de manada!

    Bye, bye , Fá!

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«a vida, a meu ver, é polarizada entre a prosa – ou seja, as coisas que fazemos por obrigação, que não nos interessam, para sobreviver – e a poesia – o que nos faz florescer, o que nos faz amar, comunicar. E é isso que é importante.»
(Edgar Morin)
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