28 abril 2024

Sobra tempo e falta vida



Há uma linha invisível, uma ténue fronteira entre o ontem e o hoje… (e o amanhã?); entre o conhecimento e a ignorância; entre a saúde e a doença... entre a vida e a morte.
Espero. Há um nó que me aperta o estômago.
Conto os minutos para ser atendida, mas eles arrastam-se cada vez mais lentos. Inversamente proporcional é o galope do meu coração, em ânsias de chegar à meta. Quero acabar com isto rapidamente.
Espero. E não tenho tempo para esperar.
Espero o desfecho de uma vez por todas. Espero em ânsias depressivas, corrosivas, lesivas da minha já debilitada sanidade mental.
Espero. E chove-me enquanto espero. A chuva que me escorre é porta de vai e vem. Para lá dela, o nevoeiro: o despontar da noite ou do dia - o crepúsculo ou a aurora. Quando será a minha vez?
Queria poder dizer que sou dona de mim, que quem manda em mim sou eu... e até pensava que era um pouco assim. Mas não é. Tudo o que tenho não é meu. Tudo o que penso não me cabe no pensamento. Tudo o que sinto me escapa…
Tudo o que sou, ou não sou, serve-se-me agora nas mãos. Numa carta fechada. Para quê esperar se adivinho o que ela contém? Lá dentro, o meu futuro. E o dos meus cinco filhos… mais dois gatos persas, um caniche e um papagaio.
(Oh, meu Deus!... que será deles?) Não consigo pensar. Ter-se-ão uns aos outros quando a porta se fechar.
Espero. E falta-me tempo para esperar.
A vida nunca é como a sonhamos.
E a morte é uma certeza feroz, que espreita a vida dentro de um envelope de análises.

16 comentários:

  1. Tantas vezes esperamos.
    E até esperamos a morte desde que nascemos...
    Beijo, querida amiga.

    ResponderEliminar
  2. ... estamos sempre a desnascer

    e a recriar-nos

    ResponderEliminar
  3. Foi angustiante ler-te...
    Torço muito para que esse resultado venha depressa e não seja nada do que pensas.
    Toma um beijo enorme e muito amigo.

    ResponderEliminar
  4. É um texto de ficção... que retrata realidades... a realidade que é tantas vezes assim.

    Obrigada, amigos.

    ResponderEliminar
  5. Um texto de uma criatividade que assusta de tão verosímil que é...
    Um texto que nos emociona!
    Soubeste tocar-nos muito através dele.
    Parabéns, escritora!

    ResponderEliminar
  6. Amiga Fá,
    Um belíssimo texto que reflecte bem a existência de tantas situações semelhantes e que conhecemos e as angústias sofridas por vivências incertas, neste mundo onde as carências são cada vez mais evidentes e a solidariedade está tão ausente.
    Como sempre muito bem escrito e embora ficção, como diz acima, bem real.
    Um beijinho.
    Ailime

    ResponderEliminar
  7. Costumo separar as águas, os montes, as fronteiras... com um biombo.
    Não daqueles translucidos; estes não deixam ver o mundo, só a sua luz,
    Gosto dos imaginários para não interromperem o meu pensamento, quiçá o meu sonho e a estrada da vida.
    Cumprimentos.

    ResponderEliminar
  8. Tantas vezes é esta a realidade, mas espero bem que não seja a tua! ultimamente estou rodeada de sobressaltos....
    Beijinhos

    ResponderEliminar
  9. que a morte é uma certeza... é verdade!

    agora...

    será que merece tanto tempo do nosso tempo em prejuízo do tempo que devemos libertar para dedicarmos ao que ainda são incertezas para nós???

    deixa de esperar e arruma as incertezas nos dias que vives... eles sim, são certezas, são reais!!!



    a...té

    ResponderEliminar
  10. A vida é simples de ser vivida, mas nós a complicamos. às vezes sobra-nos tempo e não temos vida...não a aproveitamos na sua essência; outras falta-nos o tempo e temos tanta vida dentro de nós.É por isso que devemos aproveitar cada minuto vivendo plenamente com toda a vida que temos dentro de nós, se não um dia tudo muda e deparamo-nos com a certeza de que já não teremos tempo para vivermos o que deixámos de viver. Tudo muda num instante, por isso vamos viver o aqui e o agora como ele deve ser vivido, aproveitando as coisas boas e a companhia de pessoas de verdade, deixando para trás futilidades e dando valor ao que realmente importa. Belo texto cheio de essência na qual devemos refletir. Um beijinho e um bom fim de semana
    Emília

    ResponderEliminar
  11. Cada dia que passa
    é um passo para a noite...
    e o tempo é tão incerto
    que deixa o dia a descoberto
    e esconde noite negra
    pela mesma incerteza...

    minha amiga, menina musical
    os teus textos mesmo tristes
    são belos e de certeza real!

    (sempre pedindo desculpa...venho quando posso, e o tempo é ilusório! pensando que estou ausente, quando venho sinto que estive sempre presente!):)

    bjitos com amizade e um bom domingo

    ResponderEliminar
  12. *
    não gosto nada de esperar,
    tenho tão pouco tempo
    para viver neste planeta . . .
    ,
    urgentes conchinhas,
    ficam,
    *

    ResponderEliminar
  13. Questionamos muito Fá. Abraçamos questões desnecessárias, pois nunca teremos respostas para certas perguntas. Temos que viver, tão somente. E ter fé. Bjs.

    ResponderEliminar
  14. Que relato intensivo .Posso imaginar o medo para abrir o sobrescrito
    Abraço

    ResponderEliminar
  15. Quantas coisas se tornam tão relativas e sem importância na nossa vida... quando o nosso futuro, mais imediato, pode ser ditado, por um destes envelopes... uma realidade, com a qual convivo bem mais... agora que tenho acompanhado os problemas de saúde bem mais de perto, da minha mãe, por força das circunstâncias... e que ganham também um outro peso, em tempos de pandemia...
    Belíssimo texto, como sempre, Fá! Beijinhos
    Ana

    ResponderEliminar
  16. Há esperas assim! Espera-se e desespera-se...
    Um ótimo texto!
    Beijinho, Fá.
    ~~~~

    ResponderEliminar

«a vida, a meu ver, é polarizada entre a prosa – ou seja, as coisas que fazemos por obrigação, que não nos interessam, para sobreviver – e a poesia – o que nos faz florescer, o que nos faz amar, comunicar. E é isso que é importante.»
(Edgar Morin)
.
Leia pf: Indicações sobre os Comentários