17 abril 2024

Pousar


Toda a vida é feita de riscos,
rabiscos e outros iscos
e por vezes versos;
outras vezes silêncios apenas,
gritos mudos que entopem a voz
para lá dos poemas que assombram em voo.

E há palavras nascidas entre poeira e pedras,
sem a humidade requerida,
que depressa se transformam em pó que o vento leva.

Porque o mundo ao derredor é um vaso de barro fendido,
que não retém a água para a rega.

A lua vai e vem, enche e esvai-se;
com momentos luminosos
e momentos de penumbra;
mas volta sempre o seu brilho
embora às vezes por entre nuvens.

E há dias inteiramente noites que são tudo escuridão;
maré vaza, preocupação,
união ao mundo
que depõe o coração nas mãos
dormentes, doentes, cansadas, estropiadas,
dantes ensinadas,
que a custo reagem aos sonhos.

O tempo passa
e desgasta
como água de um rio correndo
corroendo tudo à sua passagem.

Rio que corre para o grande oceano,
com alturas de grandes caudais
e outras de seca extrema;
desfrutando da passagem por montes e vales,
pedras, pedregulhos, calhaus rolantes
e paisagens de planícies, praias
e campos verdejantes.

Assim, entre o voo e a noite escura 
tem de haver momentos de pousar. 
Aproveitar um fresco orvalho, 
visita do sonho que ainda emerge das mãos. 

E sempre recomeçar.
Adenda:

All life is made up of risks,
doodles and other baits
and sometimes verses;
other times only silences,
silent screams that clog the voice
beyond the poems that haunt in flight.

And there are words born between dust and stones,
without the required humidity,
that quickly turn into dust that the wind takes.

Because the world around is a cracked clay pot,
that does not retain water for irrigation.

The moon comes and goes, fulls and fades away;
with luminous moments
and moments of darkness;
but its brightness always comes back
though sometimes through clouds.

And there are days entirely nights that are all darkness;
ebb tide, worry,
union with the world
that deposits the heart in the hands
numb, sick, tired, crippled,
taught before,
that at cost, react to dreams.

Time goes by
and wears all out
like running river water
corroding everything in its path.

River that flows into the great ocean,
with high flow heights
and others of extreme drought;
enjoying the landscape through hills and valleys,
stones, boulders, rolling pebbles
and landscapes of plains, beaches
and green fields.

So, between the flight and the dark night
there must be times to land and forget the strain.
To enjoy a fresh dew,
visit of the dream that still emerges from the hands.

And always start again.

17 comentários:

  1. Me encantei com o poema. Uma beleza simples e cheia de verdades.
    Escreve muito bem.
    Me senti dentro do seu poema.
    Abraços.

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  2. Li com muito prazer as palavras poéticas que confluem cintilantemente neste poema luso.
    bjs

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  3. A poesia chegou aqui cheia de tudo !

    Beijinhos

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  4. Olá, Fá

    Um poema cheio de desencanto e também de grandes verdades.
    Há dias que são noites...há palavras que se transformam em pó, levadas pelo pó. E tanto, tanto que aqui nos diz.

    Excelente!

    Bj

    Olinda

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  5. Uma forma sublime de " poemar " a vida
    Gostei muito.
    Abraço*

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  6. Magnífico poema, Fá!
    Os meus Parabéns!
    Poesia de elevado nível.
    Beijinhos e uma boa noite.
    Ailime

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  7. Um poema muito bom. Os meus aplausos para o teu talento.
    Devias escrever e publicar poesia mais vezes...
    Um beijo, querida amiga Fá.

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  8. Um poema que me maravilhou... do princípio ao fim!...
    Com uma abrangência e profundidade, notáveis!!!! Já ficou registado, no meu caderninho de futuros destaques... e já imaginando que foto, posso ter, para combinar com o mesmo...
    Parabéns, pelo seu extraordinário talento, Fá!
    Um beijinho grande! E agora no fim de semana... irei mergulhar no seu blog de fotos... para espreitar todas as novidades, que se me escaparam nos últimos tempos...
    Bom fim de semana!
    Ana

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  9. Imagens e analogias muito belas no seu belo poema.
    Gostei.
    tudo bom.
    Beijinhos
    ~~~

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  10. Um poema pleno de verdades, que fazem do nosso dia a dia um lugar sombrio e solitário.
    Há que soltar as amarras, saltar cá para fora e viver em pleno os nossos sonhos!
    Um abraço.

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  11. Olá,
    O tempo que usamos para pousar, nos permite serenar as emoções, alinhar os pensamentos e assim, recomeçar de forma mais consciente.

    Gostei muito do seu poema.
    Um abraço,
    Sônia

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  12. E já tenho na calha uma imagem, bem a propósito, para este poema formidável, Fá! Daqui a mais uns dias... lá estará no meu canto... se não se importar... com a respectiva tradução... que depois se não achar bem... será só dizer-me!...
    Nossa!... Como o tempo passa!... Foi em 2018, que o tinha lido, pela primeira vez!...
    Beijinhos! Bom fim de semana!
    Ana

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  13. E num belo poema decreveste com perfeição o que é a vida, uma caminhada que nunca sabemos quando vai terminar, um caminho que nem sempre podemos escolher, um caminho que temos de percorrer, aceitando do modo que pudermos e quisermos o que encontrarmos pela frente; são muitos os encantos, os encontros, desencontros, acalantos e, nesse caminhar é necessário que saibamos pausar para reflectir na maneiro como fizemos o caminho e decidir se há algo a mudar, se podemos escolher um outro atalho que nos seja menos sofrido; mas, uma coisa é certa, enquanto a vida mandar, há sempre um novo começo a começar. Comecemo-lo sempre de cabeça erguida, agradecidos por mais um dia. Obrigada, Fã, por este delicioso momento e muita SAÚDE para ti e para os teus. Um beijinho
    Emilia

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  14. É sem dúvida fantástico e impele-nos a erguer-nos e viver.
    Impetuoso e inspirador.
    Adorei ❤️
    Beijinho

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  15. Admiro o seu talento de escrever a Senhora é um liminos exemplo para mim
    bjs

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  16. O desencanto convive com a esperança, o voo com o pouso. Você passou por caminhos que descreveu de forma poética, evidenciando que sempre se pode recomeçar, pois a escuridão não resiste a uma pequena luminosidade, seja dia ou seja noite. Um poema magnífico! Bjs.

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  17. Poema encantador.
    Assim como o complemento
    :-)

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«a vida, a meu ver, é polarizada entre a prosa – ou seja, as coisas que fazemos por obrigação, que não nos interessam, para sobreviver – e a poesia – o que nos faz florescer, o que nos faz amar, comunicar. E é isso que é importante.»
(Edgar Morin)
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