26 setembro 2018

Pousar


Toda a vida é feita de riscos,
rabiscos e outros iscos
e por vezes versos;
outras vezes silêncios apenas,
gritos mudos que entopem a voz
para lá dos poemas que assombram em voo.

E há palavras nascidas entre poeira e pedras,
sem a humidade requerida,
que depressa se transformam em pó que o vento leva.

Porque o mundo ao derredor é um vaso de barro fendido,
que não retém a água para a rega.

A lua vai e vem, enche e esvai-se;
com momentos luminosos
e momentos de penumbra;
mas volta sempre o seu brilho
embora às vezes por entre nuvens.

E há dias inteiramente noites que são tudo escuridão;
maré vaza, preocupação,
união ao mundo
que depõe o coração nas mãos
dormentes, doentes, cansadas, estropiadas,
dantes ensinadas,
que a custo reagem aos sonhos.

O tempo passa
e desgasta
como água de um rio correndo
corroendo tudo à sua passagem.

Rio que corre para o grande oceano,
com alturas de grandes caudais
e outras de seca extrema;
desfrutando da passagem por montes e vales,
pedras, pedregulhos, calhaus rolantes
e paisagens de planícies, praias
e campos verdejantes.

Assim, entre o voo e a noite escura 
tem de haver momentos de pousar. 
Aproveitar um fresco orvalho, 
visita do sonho que ainda emerge das mãos. 

E sempre recomeçar.
Adenda:

All life is made up of risks,
doodles and other baits
and sometimes verses;
other times only silences,
silent screams that clog the voice
beyond the poems that haunt in flight.

And there are words born between dust and stones,
without the required humidity,
that quickly turn into dust that the wind takes.

Because the world around is a cracked clay pot,
that does not retain water for irrigation.

The moon comes and goes, fulls and fades away;
with luminous moments
and moments of darkness;
but its brightness always comes back
though sometimes through clouds.

And there are days entirely nights that are all darkness;
ebb tide, worry,
union with the world
that deposits the heart in the hands
numb, sick, tired, crippled,
taught before,
that at cost, react to dreams.

Time goes by
and wears all out
like running river water
corroding everything in its path.

River that flows into the great ocean,
with high flow heights
and others of extreme drought;
enjoying the landscape through hills and valleys,
stones, boulders, rolling pebbles
and landscapes of plains, beaches
and green fields.

So, between the flight and the dark night
there must be times to land and forget the strain.
To enjoy a fresh dew,
visit of the dream that still emerges from the hands.

And always start again.

08 junho 2018

Poeira



Há poeira no ar. No chão da rua. Nas escadas de cimento velho que levam ao primeiro andar...  
Infiltra-se nas casas através das frinchas, e vai até ao mais recôndito da alma – um outro patamar.
Quando chove pode enfim remover-se a poeira que se tinha acumulado e tornado eira, esteira, ladeira íngreme e pestilenta, escorregadia. A chuva refresca, lava e depura a macilenta agrura em que se tornou o dia-a-dia de poeira-eira-esteira-ladeira. 
Mas há poeira a formar-se continuamente no mesmo lugar. 
E quando chove dias a fio, num tempo em que se esperava estio, a poeira-eira-esteira-ladeira engole-se à mesa da cozinha defumada, como se broa bolorenta fora manjar. 

Por vezes é preciso deixar a poeira assentar. E depois a chuva cair. E regar. Lavar. Escorrer. Até parar. 

Mas como tantas vezes isso tarda em acontecer!

01 janeiro 2018

Boa travessia!




Ainda que pedras nos apareçam atravessadas no caminho, 
aproveitemo-las para nelas firmarmos os pés, 
fazendo delas o alicerce de um caminho mais forte, 
rumo à Luz do horizonte.

Adenda em 29/01/2024:
Tradução de Ana Freire, in: Art and Kits, Awakenings...

"Even if stones appear to cross our path, 
let us take advantage of them to place our feet on, 
making them the foundation of a stronger path, 
towards the Light of the horizon."