Tela René Bertholo 3
Não é um jogo. Nem de futebol, nem de qualquer outra modalidade desportiva. Mas há um jogador profissional de futebol e um professor de educação física metidos nesta história. Cheiro-os ao longe. É que entrar num museu não é entrar num estádio de futebol ou num ginásio; nem mergulhar numa piscina olímpica. É um mergulho, mas na arte, na história, no passado; é chamar o passado ao presente e levá-lo ao futuro. Posso assemelhar a entrada num museu à entrada numa biblioteca. Por isso, um escritor famoso, como eu, também procura raízes num museu. Já a um profissional do desporto será o desporto que o lá levará; ou a curiosidade ou, quem sabe, para acalmar alguma ansiedade.
Desta vez não podia ter sido em pior altura. Foi completamente danificado um quadro dos mais valiosos do museu. E não sei como aconteceu. Só ouvi um grande estardalhaço e, a seguir, vejo aqueles dois ali especados com cara de assustados, depois do enorme estrondo de vidro a partir.
E isto é uma coisa de que ninguém se pode rir. Como é que este aparato foi suceder? Aproximo-me a tempo de ouvir um deles dizer:
– Isto parece uma cena para os apanhados.
Ainda estou a tentar perceber, quando aparece o vigilante e nos aponta, aos três, como culpados. Digo que eu não, que nem sequer estava ali ao pé. Mas ao que ele responde:
– Se nenhum de vós assumir a culpa têm de ser os três identificados.
– Foi apenas e só o quadro que se soltou da parede. Caiu sozinho. – Encolhe-se o professor.
– Caiu sozinho? Coitadinho! Quem pensa que está a tentar enganar? Têm de vir todos à gerência do museu prestar declarações. – Responde o outro já mal-humorado.
Com aquele tom de voz não pode haver recusas nem excepções. E a destruição de um quadro valioso daqueles não permite contemplações.
Fiquei deveras preocupado: achei que ainda ia pagar pelo que não fiz. Mas antes de ser apurada qualquer responsabilidade, empertiga-se o jogador e diz:
– Eu pago o prejuízo.
Ora aí está alguém com pouco juízo. Mas com dinheiro, benza-nos Deus. Não há um culpado. Há um herói. O que também é arte. Não sei se é isso que me dói, ou se entender que ser famoso mas não ter dinheiro é ser do mundo dos fracos.
Mas não há que desanimar: agora é hora de também ter arte para apanhar os cacos.
(M. Fa. R. - 02.11.2010)
Texto também publicado em Escrita Criativa - Campeonato Nacional
.
Pouca dignidade resta quando nos limitamos a apanhar os cacos...
ResponderEliminar(Um bom texto, Fa!)
Beijo :)
Amiga Fa .
ResponderEliminarIsso foi mesmo um problema.
Mas... talvez tenha partido só o vidro, o vidro é frágil...
Por dentro o quadro talvez tenha ficado intacto, a obra lá está.
Retiram-se os cacos pega-se na obra de arte e coloca-se num novo quadro.
As coisas deste mundo são mesmo frágeis... já tinha dado conta disso.
Espero que não seja nada que não se possa resolver.
Beijinhos da Utilia
Há arte em tudo, ou quase tudo o que fazemos...
ResponderEliminarA maior riqueza é a que está em nós. Quem tem essa riqueza não se liga muito à materialista, é forte, famoso, inteligente e tolerante; é em tudo contrário à ética do seu tempo e perdura no tempo.
O materialista (rico) possui um mundo ao qual só ele se enquadra. É fraco, egocentrista, prepotente, mentecapto e distópico... Levamos diariamente com eles, seja na rádio, na TV...
Acho que se faz uma ideia deturpada quanto ao conceito, do forte e do fraco, da inteligência ou falta dela, do respeito e do medo... O mundo actual está para o adaptado e neste mundo ser-se adaptado, não é sinónimo de inteligência mas sim atropelo de tudo o que é valor humano e vida em sociedade...
Gosto do texto Fa!
beijo
José
Uma obra de arte destruída não se pode pagar em dinheiro.
ResponderEliminarPorque é uma perda irreparável.
Querida amiga, boa semana.
Um beijo.
Já tinha saudade de por aqui passar
ResponderEliminarli tudo que consegui...
parei aqui...
nada paga o preço da Arte em nós
e muito menos o que representa
e o mundo tem desse conceito
posto nos olhos falta de respeito
e outras coisas que nele apresenta...
dignidade vai faltando
e o mundo se baralhando...
(Gostei menina musical :)
já te vi noutro cantinho
desculpa o meu silêncio
mas sabes que agora bailo
muito rapidinho
no meio de menina e menino
que vai dando sonoro hino!
Voltarei sempre que possa
pois gosto do teu espaço
tomara eu não ter embaraço!)
beijinhos
eu gostei do texto e gosto da maneira como conduz a sua escrita.
ResponderEliminarnão gostei de quando o jogador disse:
-eu pago!
queria outro desenrolar...
deixo um beij
Bem... pelo menos na ficção há soluções!
ResponderEliminarGostei da forma bonita como nos conduziste a um final imprevisto!
É grave danificar uma obra patente num museu. Beijo.
ResponderEliminarMais um texto admiravelmente bem construído, que nos prende a atenção do princípio ao fim... e com pertinentes e assertivas, conclusões finais!...
ResponderEliminarE que me parece... ter ganho um campeonato!... Parabéns, Fá!!! Não tinha ideia!... :-D
Beijinhos
Ana
Textos vibrantes e muito interessantes...
ResponderEliminarPor onde andará o AC...
Beijinho
~~~~
Muito bom. Mas por vezes não é só apanhar os cacos....
ResponderEliminarBoa semana
Se eu pudesse escrever textos tão perfeito e lindo viverei no sétimo céu
ResponderEliminarAbraços
Gostei muito do texto que merece apreciação em vários sentidos. A destruição de uma obra de arte não pode ser compensada por dinheiro. Sempre há quem pense diferente, apenas porque o tem. Não conhece o precioso significado de uma obra de arte. Bjs.
ResponderEliminarNuito boa história e nos reporta as diferentes formas que, cada um com seu caráter ou valores, busca resolver as questões ou a vida.
ResponderEliminarGostei muito.
Art is so value ❤
ResponderEliminarUm texto que muita gente deveria ler...
ResponderEliminar