13 março 2025

Palavras, palavras, palavras...



Queria mergulhar as palavras (muitas das palavras) em água com lixivia, para que se diluíssem como manchas de vinho ou de sangue. Porque são isso muitas delas: manchas de vinho e de sangue. Manchas de vinho que lembram embriaguezes; manchas de sangue largado de feridas. Umas e outras afogueadas de dores, precursoras e persuasoras de outros olores. Todas danam o pano em que caem, mesmo pano-cru (no melhor pano cai a nódoa).
Queria mergulhar um monte de palavras em água com lixivia para que os micróbios que as infectam sucumbissem nessa solução.
Queria corar ao sol as palavras. Todas as palavras. Para que se tornassem brancas, puras, imaculadas, resplandecentes. De vida. Para que se tornassem transparentes e se pudesse ver a alma através delas. Porque umas são manchas de vinho; outras de sangue. Outras são pejadas de infecções por vermes de toda a espécie. Outras, ainda, são noite de breu. Umas e outras cruzam-se em nódoas emaranhadas, tão apertadas que, muito dificilmente, um raio de claridade consegue por elas furar.
E se as nódoas que embotam o pano da alma bebessem água oxigenada? Talvez respirando desse oxigénio perdessem a cor cianozada, que deixa qualquer alma manchada. Valeria a pena? Valeria sempre a pena se a alma…
Ah, queria, então, ensopar outro rol de palavras com água oxigenada, para que efervescendo espumassem e assim se depurassem. Por fim, enxaguá-las, a todas, até ficarem reluzentes, espelhadas.
É que não queria perceber um ror de palavras enquanto não fossem todas lavadas. Porque fazem mal, porque doem, moem, ou enganam e nos tramam; porque constrangem ou oprimem; porque não são inocentes, fazem muitos padecentes, uns ou outros meio dormentes; e mesmo se não nos matam, nos deixam a todos doentes.

12 março 2025

(S)Em Dor

Procurei e encontrei a cura para a dor. E cheguei até à cura pelo coração: o coração não dói. Está provado cientificamente que o coração não dói. Sente dor mas não dói. O que dói é o que o envolve. Por isso a dor é nervosa. E psicológica: passa pelo pensamento. A dor é nervoso-psicológica: os nervos levam-na ao cérebro – ao pensamento. Pensar na dor faz doer. Há, por isso, dores do cérebro, não do coração – o coração não pensa. Não pensa: não dói. Só sente dor, mas não dói. Dói o que pensa. E o que pensa é o cérebro. É, então, o cérebro que dói. Ora, se as dores são do cérebro, e se se procura a cura para a dor, essa cura passa pelo cérebro. Nada mais fácil de curar: tira-se a dor do cérebro! Como? Tira-se o cérebro. Sem coração não se vive, que é o órgão vital do corpo. Mas pode bem viver-se sem cérebro(!). E, assim, jamais haverá dor. Só com o coração no comando poder-se-á viver. E como o coração não dói, nada mais em nós poderá doer. 
 (M. Fa. R. – 2010-07-09)

05 março 2025

Nabos da Púcara




 – Então, miúda, conta lá!

 – Contar o quê?

 – Não te faças de sonsa, pensas que eu não sei?

 – Sabes?... Sabes o quê?

 – Ora, queres lá ver agora… hmm… nem penses que te escapas sem me contar…

 – Mas não há nada para contar!

 – Ai há, há!… olha aí tu toda corada…

Maria toca instintivamente com a mão na cara, sentindo-a quente:

 – Isto é porque já estou a ficar enervada com essa tua insistência…

Mas Lili não desarma:

 – É, é!… vá lá, desembucha! Eu sei que se passa alguma coisa…

 – Mas não se passa nada!... não sejas chata!

 – Ok, ok… não queres contar, não contes… mas olha que eu podia ajudar-te…

 – Bolas!... isto mais parece uma cena para os apanhados!

04 março 2025

Quando as ondas do mar se transformam em gaivotas



Foto: Eider Oliveira


Ao cair da tarde
As ondas do mar transformam-se em gaivotas

A poesia veste o areal
E a praia converte-se
Obedecem os barcos ao chamamento do mar
E as redes mudam-se em peixes a pular

Movem-se em corrupio para ver
Pessoas sôfregas em alvoroço
E uns compram a dez outros a cem
Que esta poesia também é para comer

Entretanto ressoa o marulhar turbulento
E no lastro doirado estendidos
Plebeus panos sorridentes
De voluptuosos reflexos coloridos

Debaixo do azul reluzente
No oiro espelhado da areia
Constroem em risos castelos crianças
Vigiadas pelos olhares das sereias

E ora ao banho na hora
Da festa ondulante magia
No sal que jorra e sacia
Corpos e almas afora

Tinge-se em momentos de branco o céu
Quando as nuvens se enxameiam
E novamente de luz
Assim que elas se retiram

E é ao cair da tarde
Que as ondas do mar se transformam em gaivotas
Ao transfigurar-se o sol em bruma
E eu rendo-me à sonolência
Quando o mesmo bando
Se desfigura em espuma



20 dezembro 2024

É Natal




Paz e Amor
Saúde, Felicidade e Alegria
Deseja-se a todos nestes dias
Pois despontou a aurora na noite
Nas trevas brilhou uma Luz
Para nos apontar o caminho
Rompeu as sombras do mal
Da Virgem nasceu Jesus
Num presépio pobrezinho
Desceu para nós – é Natal! 

Respondendo ao 4º Encontro Temático de Juvenal Nunes - Um Poema de Natal

Publicado originalmente em 24/12/2010 em Nuvens de Orvalho (apagado), como resposta ao desafio de  Fábrica de Letras, Desafio de Dezembro
com Adenda em 31. 12. 2010
Sai um ano e entra outro
Para muitos de modo banal
Mas cresça um ano de luz
Que em todo o ano Natal!



11 outubro 2024

Grilaria

 

1 grilo!

2 grilos; 3 grilos; 4; 5; 6; ... 10? ou mais, montes deles a saltar, ao abrir a cancela do jardim, nunca tal vi antes assim. 

É na garagem; das paredes ao telhado do sótão, pela noite dentro em estridente sinfonia, pior: tal gri-gritaria!

Dormir? qual quê?!... quem pode dormir com o som agitado destes mestres em grilaria?

Fazer o quê com tanto grilar? Quem pode aguentar toda a noite até ser dia?

Enorme cantoria: até na igreja - sacristia - em pedra negra de cantaria.

Grilos no jardim;

grilos no quintal;

grilos na minha cabeça...

Sacanagem!

E até no aeroporto no regresso da viagem.


24 fevereiro 2024

Sem concerto


Os tempos são de descalabro, não há concerto nem conserto enquanto o crime compensar, enquanto a sociedade e cada um olharem só para o seu umbigo e não fizerem a distinção entre o bem e o mal. 
Para as pessoas comuns, que já levaram e continuam a levar com lavagem cerebral por parte dos media, já é tudo normal e só correm para onde lhes apontarem, quais ratos levados ao precipício e crianças enfeitiçadas à caverna pelo flautista de Hamelin.


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