05 outubro 2025

Metamorfose


Correr pelo campo, coberto de margaridas, é esvoaçar pelos céus como águia solta ao encontro do sol. Ah, se pudesse ter asas! Assim vibra Luísa, ao experimentar a sensação de liberdade que a vem salvar.
Luísa, prisioneira de um sonho, ao mergulhar os pés no tapete de margaridas, delira como já há muito não lhe acontecia. Ganhar asas é anseio que a persegue e a mantém cativa, refém de um azul que vislumbra ao longe, mas que ao mesmo tempo os grilhões do medo lhe vão impedindo que aconteça.
Agora, este chão, orvalhado de flores, segreda-lhe ousadia. Barricar as portadas do seu mundo, logo que o medo se retire por uns instantes, é a decisão acertada para se desembaraçar, de vez, do seu opressor. O medo ficará para sempre do lado de fora, impedido de atravessar a barreira. Há-de voar. Perseguir o sonho, mantê-lo vivo. E jamais será simplesmente mulher. Será deusa, anjo, pássaro ou apenas libelinha, tanto faz. Voará. Riscará o céu, a lua, as nuvens… ou apenas as flores. Irá ao encontro da luz mais brilhante, ou apenas da linha do horizonte. Mas voará. Voará com as asas coloridas que um arco-íris lhe trouxer.
Por enquanto é apenas crisálida.

(M. Fa. R. - 06.02.2009)

03 outubro 2025

A Chave




Quando Deus expulsou Adão e Eva do paraíso terrestre, vedou-lhes o acesso à vida sem fim. Não acontecesse comerem do fruto da árvore da vida, como comeram do da ciência do bem e do mal. E a árvore do fruto da vida eterna ficou lá. Fechada à chave e guardada por querubins.
Ora, Adão e Eva, sem terem acesso à vida ilimitada, não a poderiam transmitir à sua descendência. Por isso, a Humanidade ficou condenada.
Desde então, o segredo da vida eterna - não da vida para além da morte, mas da vida sem morte - tem sido sempre objecto de procura incessante do Homem. Mas esse segredo está fechado à chave, e esta, dada como irremediavelmente perdida; não se sabe onde estará: se com os querubins, se nas mãos de Deus… ou nas de S. Pedro, aquele que tem as chaves do Reino dos Céus. O Homem bem a tem procurado, mas sem êxito. E sem ela não há acesso ao fruto que dá vida infinita. Sem chave é morte certa!

Foi aí que dei por mim a pensar: se não há chave tem de se arranjar. Aí está! Encontrei a solução para a vida eterna. A solução está na chave.
Tanto que o Homem tem buscado uma solução para a morte: uma chave. Quer através de mezinhas caseiras, quer em cada vez mais sofisticadas práticas laboratoriais, como a clonagem, a manipulação genética: uma chave! Bem têm procurado uma chave. Mas não era uma chave que faltava, era A chave: aquela chave que abre a porta do jardim onde está a árvore da vida. Só com o fruto dessa árvore se conseguirá eliminar a morte. A chave é a única solução para abrir a porta à vida sem limite temporário.
A chave! A solução está na chave.

Por isso tem de ser feita outra chave. É a única solução: fazer outra chave que sirva naquela fechadura… que sirva naquela fechadura, daquele portão!
Lamento! Mas esta é uma triste conclusão. É que os querubins estão de guarda, armados de espadas flamejantes… como chegar lá? E quem se atreverá a desafiar Deus, ao ponto de sequer tentar fabricar outra chave?
No entanto, a chave é a única solução!
Quem se atreverá? Quem conseguiria? Quem é que se deixa dominar pela imaginação?
Será isto tudo uma utopia? Ou não passará tudo de ficção?
Se alguém acha que é mentira, eu não!... [não]???

(M. Fa. R. - 30. 03. 2009)

01 outubro 2025

Sorriso



Uma janela, aberta de par em par, por onde a alma se escapa. Por vezes timidamente; outras, à descarada. Uns dias, só uma fresta; outros, escancarada. E a alma passa: tantas vezes receosa; outras, alma penada; vermelha, cor-de-rosa, amarela, esverdeada; com sonho ou acordada. Uns dias, de noite escura; outros, de madrugada; outros, ainda, à dependura do sol, que sobe no horizonte, levando pelo caminho os outros até à fonte.

Sem cortinas e com elas: passa calor, passa luar, frescura à luz de velas; ternura, aconchego, carinho; humor, vida, atenção; zombaria, alegria; uma seta que se espeta no centro do coração.

Pertinente, inconveniente, um raiar de sentimento. Às vezes, um diz que diz; outras vezes por um triz um ar de graça que passa, sem jeito, com jeito, a preceito, por tudo e por nada. E outras vezes, contudo, com tudo e sem nada.

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