03 novembro 2024

Grilaria

 

1 grilo!

2 grilos; 3 grilos; 4; 5; 6; ... 10? ou mais, montes deles a saltar, ao abrir a cancela do jardim, nunca tal vi antes assim. 

É na garagem; das paredes ao telhado do sótão, pela noite dentro em estridente sinfonia, pior: tal gri-gritaria!

Dormir? qual quê?!... quem pode dormir com o som agitado destes mestres em grilaria?

Fazer o quê com tanto grilar? Quem pode aguentar toda a noite até ser dia?

Enorme cantoria: até na igreja - sacristia - em pedra negra de cantaria.

Grilos no jardim;

grilos no quintal;

grilos na minha cabeça...

Sacanagem!

E até no aeroporto no regresso da viagem.


11 outubro 2024

Enfim




Chove. Enfim.
O guarda-chuva, perdido no fundo da mala, há muito que esperava para se abrir. Abriu-se. Enfim.
Tremeu. Abanou. Brrr! Quase se virou ao contrário.
Suportou, enfim, a dança dessa chuva tocada pelo vento numas cordas desafinadas, tão mal dedilhadas... e a um ritmo descompassado, de acordes tão imperfeitos quanto desvairados.
Enfim. Chove.
Quem nos acode?

10 outubro 2024

Sem concerto


Os tempos são de descalabro, não há concerto nem conserto enquanto o crime compensar, enquanto a sociedade e cada um olharem só para o seu umbigo e não fizerem a distinção entre o bem e o mal. 
Para as pessoas comuns, que já levaram e continuam a levar com lavagem cerebral por parte dos media, já é tudo normal e só correm para onde lhes apontarem, quais ratos levados ao precipício e crianças enfeitiçadas à caverna pelo flautista de Hamelin.


01 outubro 2024

A Potes


Um pote: metade barro do fundo à barriga; metade verde vidrado da barriga à boca. Pequeno. Em cima da mesa, no tampo de vidro. 
Outro pote: grande – do lado de fora do vitral. Escorre-lhe o amarelo vidrado sobre o branco barro. 

Para lá das arcadas, no cimo da montanha – lá ao longe – tomba a bruma ao encontro do verde das pastagens, por detrás do barro das telhas nos telhados – menos longe – parcialmente encobertos por outros verdes que se desdobram em vários tons de ramagens. Espessas. Compactas. Mais perto. Mas, por sua vez, outros barros de telhados se lhes sobrepõem – ainda mais perto – espreitando outros verdes, esguios de caniços e de folhas laminadas de palmeiras, oscilando na brisa – tão perto – no jardim verde de relva. Já ali. 

E debaixo da arcada, o pote. Escorrido de amarelo. E para cá do vitral, o pote. Metade verde vidrado da boca à barriga; metade barro da barriga ao fundo. Em cima da mesa, do tampo de vidro. 
Debaixo da mesa, outro pote. Invertido. Colado ao vidro. Reflexo baço de sombra. 
Por detrás da mesa, a cadeira. Aqui. E eu sentada nela. 
E espero. Sentada. 

A espera faz-se tão longe! A potes.


21 setembro 2024

Sobra tempo e falta vida



Há uma linha invisível, uma ténue fronteira entre o ontem e o hoje… (e o amanhã?); entre o conhecimento e a ignorância; entre a saúde e a doença... entre a vida e a morte.
Espero. Há um nó que me aperta o estômago.
Conto os minutos para ser atendida, mas eles arrastam-se cada vez mais lentos. Inversamente proporcional é o galope do meu coração, em ânsias de chegar à meta. Quero acabar com isto rapidamente.
Espero. E não tenho tempo para esperar.
Espero o desfecho de uma vez por todas. Espero em ânsias depressivas, corrosivas, lesivas da minha já debilitada sanidade mental.
Espero. E chove-me enquanto espero. A chuva que me escorre é porta de vai e vem. Para lá dela, o nevoeiro: o despontar da noite ou do dia - o crepúsculo ou a aurora. Quando será a minha vez?
Queria poder dizer que sou dona de mim, que quem manda em mim sou eu... e até pensava que era um pouco assim. Mas não é. Tudo o que tenho não é meu. Tudo o que penso não me cabe no pensamento. Tudo o que sinto me escapa…
Tudo o que sou, ou não sou, serve-se-me agora nas mãos. Numa carta fechada. Para quê esperar se adivinho o que ela contém? Lá dentro, o meu futuro. E o dos meus cinco filhos… mais dois gatos persas, um caniche e um papagaio.
(Oh, meu Deus!... que será deles?) Não consigo pensar. Ter-se-ão uns aos outros quando a porta se fechar.
Espero. E falta-me tempo para esperar.
A vida nunca é como a sonhamos.
E a morte é uma certeza feroz, que espreita a vida dentro de um envelope de análises.

20 setembro 2024

Sem mão



Não era o lugar nem o momento ideais nem oportunos. Talvez por isso. E o proibido é o mais apetecido. Aula de História Social. Um letreiro (convite a loucuras inconfessáveis): multas para quem fosse apanhado com:
“ (…) 2.º – Mão naquilo (15$00); 3.º – Aquilo na mão (30$00); (…) ”
Sorriram-se, sentados na última fila.
Ele lembrou-se daquela anedota do filho do maquinista: “O quê?... primeira classe e os bancos são de pau?”. Realmente… não dava jeito nenhum… Ainda assim, o mundo parava ali.
Olhou-a, como quem não sabe o que quer… mas querendo. Olhou-o, como quem não sabe o que faz… mas fazendo. Olharam-se, como quem não sabe nada de nada, mas sabendo bem. O desejo começava a ser forte!… Um botão. Não!... Sim, dizem os olhos. Bolas!… aqui não!... Sim… Aquela mão irradiava centelhas de calor que o trespassava até à medula. Sentiu um arrepio profundo a inundá-lo. Céus! A carícia tinha ido longe demais. Não conseguindo aguentar começou por deslizar também, disfarçadamente, a sua mão pelo braço da sua amada… pela perna, até ao joelho… depois para cima, lentamente, saia adentro…
De olhos fechados, saboreou com sofreguidão a embriaguez que se apoderava dele.
— Humm… Oh!... ... ... Raios parta o sonho!...
Estendeu o braço e encontrou-a. Subiu-lhe a mão, quente, por debaixo da camisola e alcançou-lhe o mamilo…
Ainda bem que ela estava ali, mesmo à mão de semear…

29 junho 2024

Espera... é Verão!



Encostado a uma esquina do bar, come, mais do que lambe, o corneto de baunilha com a sofreguidão da tarde quente. Com a sofreguidão de um primeiro gelado, de um primeiro dia de calor, de um primeiro dia de praia, de um primeiro dia de Verão. Senta-se no muro pequeno, à sombra, com os pés assentes no relvado, e olha em redor. Sabia-lhe bem aquela frescura, fresca e leve, suave como a brisa mansa que o beija e lhe sorri nos olhos.
Espera. Espera como quem espera por algo ou alguém. Talvez apenas espere as horas passarem. Encosta o telemóvel ao ouvido.
Na outra esquina do bar, atrás dele, ela, vinda de dentro com uma chávena de café na mão, fala ao telemóvel.
Ele usa, no dedo anular da sua mão esquerda, uma aliança reluzente.
Ela guarda o telemóvel e volta para dentro.
Ele brinca com o telemóvel nas mãos e perde os olhos ao longe. Depois levanta-se e caminha. Recolhe-se ao interior da ambulância, estacionada junto às consultas externas, ao assento do condutor, e continua à espera. 

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