15 fevereiro 2025

Nabos da Púcara




 – Então, miúda, conta lá!

 – Contar o quê?

 – Não te faças de sonsa, pensas que eu não sei?

 – Sabes?... Sabes o quê?

 – Ora, queres lá ver agora… hmm… nem penses que te escapas sem me contar…

 – Mas não há nada para contar!

 – Ai há, há!… olha aí tu toda corada…

Maria toca instintivamente com a mão na cara, sentindo-a quente:

 – Isto é porque já estou a ficar enervada com essa tua insistência…

Mas Lili não desarma:

 – É, é!… vá lá, desembucha! Eu sei que se passa alguma coisa…

 – Mas não se passa nada!... não sejas chata!

 – Ok, ok… não queres contar, não contes… mas olha que eu podia ajudar-te…

 – Bolas!... isto mais parece uma cena para os apanhados!

14 fevereiro 2025

Importa É Voar




Voar.
Ir ao encontro da luz mais brilhante,
ou apenas da linha do horizonte.
Riscar o céu, as nuvens, a lua…
ou apenas as flores.
Ser pássaro, anjo, ou apenas libelinha,
tanto faz.
Importa é voar.

12 fevereiro 2025

O Serafim É Assim




Chocolates, amêndoas, rebuçados, bolos e bolinhós; crepes, pudins, nougats de amendoins, farófias ou filhós… só escondidos, senão… senão lá ia o Serafim logo meter a mão.
– “Desta idade em que estou nunca o doce me amargou!” – era sempre o seu refrão.
– Serafim, não mexas aqui! – avisava-o a mãe quando acabava de fazer o pudim.
Ah, pois não! À tarde, quando quase chegavam as visitas para um lanche, já lá faltava um quinhão.
– Serafiiiiimm!!... – clamava ela –, agora vou pôr na mesa isto assim? Que vergonha! Isto não se faz!... mas quando é que tu aprendes, rapaz?!... Tenho agora que me desenrascar com a lata das bolachas… ai, não!... – aflição! – também ela já vai a meio… e agora? Maldita hora!... Oh, Serafim, mas será que eu falo latim?!

10 fevereiro 2025

Grilaria

 

1 grilo!

2 grilos; 3 grilos; 4; 5; 6; ... 10? ou mais, montes deles a saltar, ao abrir a cancela do jardim, nunca tal vi antes assim. 

É na garagem; das paredes ao telhado do sótão, pela noite dentro em estridente sinfonia, pior: tal gri-gritaria!

Dormir? qual quê?!... quem pode dormir com o som agitado destes mestres em grilaria?

Fazer o quê com tanto grilar? Quem pode aguentar toda a noite até ser dia?

Enorme cantoria: até na igreja - sacristia - em pedra negra de cantaria.

Grilos no jardim;

grilos no quintal;

grilos na minha cabeça...

Sacanagem!

E até no aeroporto no regresso da viagem.


18 janeiro 2025

Sobra tempo e falta vida



Há uma linha invisível, uma ténue fronteira entre o ontem e o hoje… (e o amanhã?); entre o conhecimento e a ignorância; entre a saúde e a doença... entre a vida e a morte.
Espero. Há um nó que me aperta o estômago.
Conto os minutos para ser atendida, mas eles arrastam-se cada vez mais lentos. Inversamente proporcional é o galope do meu coração, em ânsias de chegar à meta. Quero acabar com isto rapidamente.
Espero. E não tenho tempo para esperar.
Espero o desfecho de uma vez por todas. Espero em ânsias depressivas, corrosivas, lesivas da minha já debilitada sanidade mental.
Espero. E chove-me enquanto espero. A chuva que me escorre é porta de vai e vem. Para lá dela, o nevoeiro: o despontar da noite ou do dia - o crepúsculo ou a aurora. Quando será a minha vez?
Queria poder dizer que sou dona de mim, que quem manda em mim sou eu... e até pensava que era um pouco assim. Mas não é. Tudo o que tenho não é meu. Tudo o que penso não me cabe no pensamento. Tudo o que sinto me escapa…
Tudo o que sou, ou não sou, serve-se-me agora nas mãos. Numa carta fechada. Para quê esperar se adivinho o que ela contém? Lá dentro, o meu futuro. E o dos meus cinco filhos… mais dois gatos persas, um caniche e um papagaio.
(Oh, meu Deus!... que será deles?) Não consigo pensar. Ter-se-ão uns aos outros quando a porta se fechar.
Espero. E falta-me tempo para esperar.
A vida nunca é como a sonhamos.
E a morte é uma certeza feroz, que espreita a vida dentro de um envelope de análises.

17 janeiro 2025

Enfim




Chove. Enfim.
O guarda-chuva, perdido no fundo da mala, há muito que esperava para se abrir. Abriu-se. Enfim.
Tremeu. Abanou. Brrr! Quase se virou ao contrário.
Suportou, enfim, a dança dessa chuva tocada pelo vento numas cordas desafinadas, tão mal dedilhadas... e a um ritmo descompassado, de acordes tão imperfeitos quanto desvairados.
Enfim. Chove.
Quem nos acode?

16 janeiro 2025

Vvvvvvvuumm



Vvvvvvvuumm… vvvvvvvuumm… o vento veste um capote de voo agreste e vvvvvvvuumm, vai pelos ares levando consigo muito do que encontra pelo caminho: leva velho, leva novo; leva leve e pesado; curto, comprido, plano, esférico, canelado; seja palha, papel, bola, árvore ou telhado… 
Vvvvvvvuumm… o vento agitado numa garrafa no céu, e despejado, faz um vvvvvvuumm vvvvvvuumm tão apressado até ao chão, desalmado, e levanta no seu capote de voo o que estiver mais à mão desamparado.
Ah, desgraçado!

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