31 agosto 2024

Espera... é Verão!



Encostado a uma esquina do bar, come, mais do que lambe, o corneto de baunilha com a sofreguidão da tarde quente. Com a sofreguidão de um primeiro gelado, de um primeiro dia de calor, de um primeiro dia de praia, de um primeiro dia de Verão. Senta-se no muro pequeno, à sombra, com os pés assentes no relvado, e olha em redor. Sabia-lhe bem aquela frescura, fresca e leve, suave como a brisa mansa que o beija e lhe sorri nos olhos.
Espera. Espera como quem espera por algo ou alguém. Talvez apenas espere as horas passarem. Encosta o telemóvel ao ouvido.
Na outra esquina do bar, atrás dele, ela, vinda de dentro com uma chávena de café na mão, fala ao telemóvel.
Ele usa, no dedo anular da sua mão esquerda, uma aliança reluzente.
Ela guarda o telemóvel e volta para dentro.
Ele brinca com o telemóvel nas mãos e perde os olhos ao longe. Depois levanta-se e caminha. Recolhe-se ao interior da ambulância, estacionada junto às consultas externas, ao assento do condutor, e continua à espera. 

03 agosto 2024

Sobra tempo e falta vida



Há uma linha invisível, uma ténue fronteira entre o ontem e o hoje… (e o amanhã?); entre o conhecimento e a ignorância; entre a saúde e a doença... entre a vida e a morte.
Espero. Há um nó que me aperta o estômago.
Conto os minutos para ser atendida, mas eles arrastam-se cada vez mais lentos. Inversamente proporcional é o galope do meu coração, em ânsias de chegar à meta. Quero acabar com isto rapidamente.
Espero. E não tenho tempo para esperar.
Espero o desfecho de uma vez por todas. Espero em ânsias depressivas, corrosivas, lesivas da minha já debilitada sanidade mental.
Espero. E chove-me enquanto espero. A chuva que me escorre é porta de vai e vem. Para lá dela, o nevoeiro: o despontar da noite ou do dia - o crepúsculo ou a aurora. Quando será a minha vez?
Queria poder dizer que sou dona de mim, que quem manda em mim sou eu... e até pensava que era um pouco assim. Mas não é. Tudo o que tenho não é meu. Tudo o que penso não me cabe no pensamento. Tudo o que sinto me escapa…
Tudo o que sou, ou não sou, serve-se-me agora nas mãos. Numa carta fechada. Para quê esperar se adivinho o que ela contém? Lá dentro, o meu futuro. E o dos meus cinco filhos… mais dois gatos persas, um caniche e um papagaio.
(Oh, meu Deus!... que será deles?) Não consigo pensar. Ter-se-ão uns aos outros quando a porta se fechar.
Espero. E falta-me tempo para esperar.
A vida nunca é como a sonhamos.
E a morte é uma certeza feroz, que espreita a vida dentro de um envelope de análises.

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