16 setembro 2024

Mau(s) tempo(s), má fortuna, erros (nossos)…



Tantos puxões, abanões, para um lado e outro, trás! e frente, e verso, e vice-versa – perversos! –, rola e pula, baralha e volta a dar; uns a surtirem efeito, outros a nem por isso dar... 
É chuva, é vento, mau tempo, má fortuna, tormento. Erros nossos, ou maldade alheia. Tempestades no corpo e na alma, a todo o tempo, o tempo todo.  
Vidas assim, toda a vida, a vida toda – vivida, chovida, revirada, emaranhada, marada, transviada, desafortunada. 
Vidas desviradas, partidas, sofridas, desairadas: tal chapéu! acossado e degredado. 
Vidas enredadas como silvados ou trepadeiras embrulhados, que se fundem enrodilhados; e a cada puxão há troços que se partem e espinhos que se espetam e ferem a carne e a alma.
Estranhas formas que se nos desenham nos olhos e nas mãos... e na imaginação; que nos fazem, umas vezes, abanar, tropeçar, cair; e outras nos ferem até a levantar do chão. 
E restam, tantas vezes, a par com a (des)ilusão, riscos de sangue, alma rasgada; que o menor toque a frio, de qual pedra afiada ou de gelo, gera sobressalto e defesa, fuga, mais puxões e sangue; até que, de um jeito ou de outro, se aventure quem(?) a quebrar o círculo vicioso. 
Maus ventos no canal! Encostos ao silveiral.
Quem ousará semear o sol que nos poupe ao(s) mau(s) tempo(s)? 
Quem nos removerá os erros dos caminhos, para lá das passadas que ainda não foram dadas?...


15 setembro 2024

Espera... é Verão!



Encostado a uma esquina do bar, come, mais do que lambe, o corneto de baunilha com a sofreguidão da tarde quente. Com a sofreguidão de um primeiro gelado, de um primeiro dia de calor, de um primeiro dia de praia, de um primeiro dia de Verão. Senta-se no muro pequeno, à sombra, com os pés assentes no relvado, e olha em redor. Sabia-lhe bem aquela frescura, fresca e leve, suave como a brisa mansa que o beija e lhe sorri nos olhos.
Espera. Espera como quem espera por algo ou alguém. Talvez apenas espere as horas passarem. Encosta o telemóvel ao ouvido.
Na outra esquina do bar, atrás dele, ela, vinda de dentro com uma chávena de café na mão, fala ao telemóvel.
Ele usa, no dedo anular da sua mão esquerda, uma aliança reluzente.
Ela guarda o telemóvel e volta para dentro.
Ele brinca com o telemóvel nas mãos e perde os olhos ao longe. Depois levanta-se e caminha. Recolhe-se ao interior da ambulância, estacionada junto às consultas externas, ao assento do condutor, e continua à espera. 

14 setembro 2024

Sem mão



Não era o lugar nem o momento ideais nem oportunos. Talvez por isso. E o proibido é o mais apetecido. Aula de História Social. Um letreiro (convite a loucuras inconfessáveis): multas para quem fosse apanhado com:
“ (…) 2.º – Mão naquilo (15$00); 3.º – Aquilo na mão (30$00); (…) ”
Sorriram-se, sentados na última fila.
Ele lembrou-se daquela anedota do filho do maquinista: “O quê?... primeira classe e os bancos são de pau?”. Realmente… não dava jeito nenhum… Ainda assim, o mundo parava ali.
Olhou-a, como quem não sabe o que quer… mas querendo. Olhou-o, como quem não sabe o que faz… mas fazendo. Olharam-se, como quem não sabe nada de nada, mas sabendo bem. O desejo começava a ser forte!… Um botão. Não!... Sim, dizem os olhos. Bolas!… aqui não!... Sim… Aquela mão irradiava centelhas de calor que o trespassava até à medula. Sentiu um arrepio profundo a inundá-lo. Céus! A carícia tinha ido longe demais. Não conseguindo aguentar começou por deslizar também, disfarçadamente, a sua mão pelo braço da sua amada… pela perna, até ao joelho… depois para cima, lentamente, saia adentro…
De olhos fechados, saboreou com sofreguidão a embriaguez que se apoderava dele.
— Humm… Oh!... ... ... Raios parta o sonho!...
Estendeu o braço e encontrou-a. Subiu-lhe a mão, quente, por debaixo da camisola e alcançou-lhe o mamilo…
Ainda bem que ela estava ali, mesmo à mão de semear…

13 setembro 2024

Sem concerto


Os tempos são de descalabro, não há concerto nem conserto enquanto o crime compensar, enquanto a sociedade e cada um olharem só para o seu umbigo e não fizerem a distinção entre o bem e o mal. 
Para as pessoas comuns, que já levaram e continuam a levar com lavagem cerebral por parte dos media, já é tudo normal e só correm para onde lhes apontarem, quais ratos levados ao precipício e crianças enfeitiçadas à caverna pelo flautista de Hamelin.


12 setembro 2024

Sobra tempo e falta vida



Há uma linha invisível, uma ténue fronteira entre o ontem e o hoje… (e o amanhã?); entre o conhecimento e a ignorância; entre a saúde e a doença... entre a vida e a morte.
Espero. Há um nó que me aperta o estômago.
Conto os minutos para ser atendida, mas eles arrastam-se cada vez mais lentos. Inversamente proporcional é o galope do meu coração, em ânsias de chegar à meta. Quero acabar com isto rapidamente.
Espero. E não tenho tempo para esperar.
Espero o desfecho de uma vez por todas. Espero em ânsias depressivas, corrosivas, lesivas da minha já debilitada sanidade mental.
Espero. E chove-me enquanto espero. A chuva que me escorre é porta de vai e vem. Para lá dela, o nevoeiro: o despontar da noite ou do dia - o crepúsculo ou a aurora. Quando será a minha vez?
Queria poder dizer que sou dona de mim, que quem manda em mim sou eu... e até pensava que era um pouco assim. Mas não é. Tudo o que tenho não é meu. Tudo o que penso não me cabe no pensamento. Tudo o que sinto me escapa…
Tudo o que sou, ou não sou, serve-se-me agora nas mãos. Numa carta fechada. Para quê esperar se adivinho o que ela contém? Lá dentro, o meu futuro. E o dos meus cinco filhos… mais dois gatos persas, um caniche e um papagaio.
(Oh, meu Deus!... que será deles?) Não consigo pensar. Ter-se-ão uns aos outros quando a porta se fechar.
Espero. E falta-me tempo para esperar.
A vida nunca é como a sonhamos.
E a morte é uma certeza feroz, que espreita a vida dentro de um envelope de análises.

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