22 outubro 2010

Encontro de grau imediato



O “S” inconfundível espreita-lhe pela camisa aberta no peito enquanto ele chama o elevador. Este trepa, numa subida pachorrenta, até ao último piso do elefante branco. Finalmente a porta abre e ele entra, arrastando consigo a euforia de mais uma maratona de treino pelos ares:
– "Eu sou o Super-Homem, o maior da minha rua..."
O elevador inicia a descida, mas detém-se logo de seguida para dar entrada a mais uma célebre figura, de aparência embaciada, sorumbática ou, se calhar, sonolenta – era ainda madrugada:
– "Fiz tudo p´ra sobreviver, em nome da terra, no fundo p´ra te merecer."
– Oh, “encosta-te a mim, nós já vivemos cem mil anos.” – Tenta o primeiro socorrê-lo.
O semblante baço dá lugar a um espanto incrédulo, confuso – parece ver estrelas cadentes. Apalpa ali um calor nebuloso dentro do elevador que o faz temer a proximidade daquele ser de outro mundo.
– Oh, pá... serás tu aquele que faz 10 segundos daqui até à lua?
– "Não queiras ver quem eu não sou, deixa-me chegar."
– Chega-te para lá! – Defende-se inflamadamente.
– "Não desencantes os meus passos, faz de mim o teu herói."
Parecem cruzar-se ali os quatro elementos: move-se o ar ao encontro da terra; despeja-se o mar dos olhos de um no fogo dos olhos do outro.
– Muito bem, se me roubas as palavras, e se és mesmo esse herói, vais tratar do que tiver que ser!
– “Encosta-te a mim, talvez eu esteja a exagerar.”
– É que “eu venho do nada porque arrasei o que não quis em nome da estrada, onde só quero ser feliz.”
– Ah, percebo – responde o Super-Homem –, ser feliz… ser feliz é o que todos querem, nem que para isso ponham o mundo num caos, e depois cá está o Super-Homem para dar a volta à questão.
– E não é para isso que és o Super-Homem? Se tens poderes sobrenaturais tens mesmo é que ajudar as pessoas.
– Pois claro, enquanto souberem que existe um Super-Homem que as pode socorrer, fiam-se nele e perdem a noção da realidade, apelando aos seus poderes sobrenaturais. Mas afinal em que queres a minha ajuda?
– “Vai desarmar a flor queimada, vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.”
– Logo vi! E isso é o quê? O Orçamento do Estado, por acaso?... Ó meu amigo, isso já lá não vai nem com um Super-herói como eu!
E mal se abre a porta do elevador já o Super-Homem desapareceu.


(M. Fa. R. - 19.10.2010)

17 comentários:

  1. É verdade, há coisas que só nós podemos resolver. TODOS! E, se isso acontecer, os super-heróis terão que emigrar para outro planeta. Por falta de uso.

    beijo :)

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  2. Por isso se faz urgente reconhecer que os super-herois estão em todos nós como os Mini Espiões pra vcs, pra nós Os Incríveis Espiões
    Desta forma poderemos deixar de ter a atitude de Pilatos pra ser agentes da ação.
    Bjinhos e um final de semana em SolM a vc.

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  3. Este mundo não precisa de super-heróis, precisa de pessoas com consciência e que lutem pelo que acreditam.

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  4. Para cima ou para baixo
    pouco lhe importa o elevador
    desde que a porta se abra
    para sair, mesmo só um senhor...
    assim vai a vida
    num sobe e desce carente
    e tudo fica na espera
    do super-homem potente...

    sejamos pois nós a subir degraus
    e a descer quando for o caso
    o elevador por vezes
    só nos dá é atraso :)

    beijitos e bom fim-de-semana Fa

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  5. Amiga Fá,
    Quando leio o que escreve fico cada vez mais impressionada com o seu poder de escrita e imaginação! Nada inferior a muitos "escritores" que vendem por aí...
    Sobre o tema, sorri um pouco e pensei para comigo: "por onde andarão os super-homens?"
    Um beijinho.
    Boa semana.

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  6. eu acho que nem um super-homem resolve...

    beijinh

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  7. Onde andará o super homem?
    Bjs

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  8. *
    acosto ao cais do meu porto,
    com o orçamento de estado,
    nado . . . morto !
    ,
    conchinhas,
    ,
    *

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  9. À espera que chegue o super herói uma força do além, algo divino...
    À espera do Sebastião, aquele grande barrigudo que que come tudo sem colher e dá pancada na mulher...
    À espera, eternamente à espera... que saia, está claro pois entrar não vejo jeito.
    Muito criatividade fa, gosto muito!

    Bj

    José

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  10. Felizmente o super-homem não viu o orçamento nacional da Bélgica, não só desapareceu, mas assustado pela quantia vertiginosa nunca voltaria.
    Uma história deliciosa
    Abraços

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  11. Já não há super-homens como dantes...
    A tua escrita é impressionante. Vira-te para o romance, porque a capacidade já existe.
    Fá, tem uma boa semana.
    Beijo.

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  12. Gostei da tua história!
    Precisamos de líderes, com pulso, com garra, com determinação, justos, verticais. E não existem. Os que e existem, são silenciados. A educação está pela hora da morte, dali nascem rebentos tortos. E pela vida fora não dão flor. Dão ladrões, corruptos, aldrabões. É uma verdadeira "pandemia".

    Fica bem !

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  13. Espectacular texto... em torno da letra de Jorge Palma! :-))
    Imaginação e talento no seu melhor, Fá! Um belíssimo diálogo... em modo confinado, num elevador!...
    Os Super Heróis... agora... andam no asfalto... se os houver... e andam de elevador... se moram num lugar alto!... :-)
    BeijinhoS! Boa semana!
    Ana

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  14. Muito criativo seu texto. Não há super heróis que dê solução. Onde estarão os líderes comprometidos???bjs

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  15. Fanfarroes há em todo o lado
    😊
    Gstei

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  16. Al leer tu texto acabo de entender la razón de ser de Superman en nuestro mundo actual. En realidad, con otros nombres, los hombres siempre han deseado tener un superman que les arreglara el mundo y su vida. Es un mito, el de siempre pero con otro nombre, muy inteligente planteamiento el tuyo. Abrazos de paz.

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  17. Em aspecto e fanfarronice todos são super heróis, pena que no batente, assim não seja poios que com tanta gente super estávamos melhor entregues.
    O texto é uma pérola de criatividade e com ele passei um excelente momento, divertido até.
    Continuação de um bom dia Fá.
    Kandando.

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«A vida é escrita em curtas frases e não em grandes livros, por isso escreva uma frase de cada dia porque escrever um "livro" completo de uma vez só é perda de tempo!» (Gherheai)
Pois:
«Já que se há-de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.» (Clarice Lispector)
.
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