Queria mergulhar as palavras (muitas das palavras) em água com lixivia, para que se diluíssem como manchas de vinho ou de sangue. Porque são isso muitas delas: manchas de vinho e de sangue. Manchas de vinho que lembram embriaguezes; manchas de sangue largado de feridas. Umas e outras afogueadas de dores, precursoras e persuasoras de outros olores. Todas danam o pano em que caem, mesmo pano-cru (no melhor pano cai a nódoa).
Queria mergulhar um monte de palavras em água com lixivia para que os micróbios que as infectam sucumbissem nessa solução.
Queria corar ao sol as palavras. Todas as palavras. Para que se tornassem brancas, puras, imaculadas, resplandecentes. De vida. Para que se tornassem transparentes e se pudesse ver a alma através delas. Porque umas são manchas de vinho; outras de sangue. Outras são pejadas de infecções por vermes de toda a espécie. Outras, ainda, são noite de breu. Umas e outras cruzam-se em nódoas emaranhadas, tão apertadas que, muito dificilmente, um raio de claridade consegue por elas furar.
E se as nódoas que embotam o pano da alma bebessem água oxigenada? Talvez respirando desse oxigénio perdessem a cor cianozada, que deixa qualquer alma manchada. Valeria a pena? Valeria sempre a pena se a alma…
Ah, queria, então, ensopar outro rol de palavras com água oxigenada, para que efervescendo espumassem e assim se depurassem. Por fim, enxaguá-las, a todas, até ficarem reluzentes, espelhadas.
É que não queria perceber um ror de palavras enquanto não fossem todas lavadas. Porque fazem mal, porque doem, moem, ou enganam e nos tramam; porque constrangem ou oprimem; porque não são inocentes, fazem muitos padecentes, uns ou outros meio dormentes; e mesmo se não nos matam, nos deixam a todos doentes.