28 março 2009

O céu às portas do inferno



O encontro entre os dois seres supremos: Deus do Céu e José Sócrates da Terra.

Foi um dia particularmente mau, complicado, de trabalho arrasador. José olha-se ao espelho e nota o semblante carregado, o olhar pesado, a querer fechar-se, e uns papos inchados ao redor. Nisto, é acometido de algo extremamente violento. Pelo seu natural espírito optimista acima, começam a rodar, magistral, furiosa e vertiginosamente, umas labaredas ameaçadoras, numa espiral furacónica, que tão velozmente se inflamam e sobem, como tão depressa já estão reduzidas a carvão, a um túnel escuro como breu, apenas com um ponto muito brilhante ao fundo. Uma luz ao fundo do túnel. Foi um cataclismo tão extraordinário e rápido, de deixar arrasado qualquer um. É Deus que escreve direito por linhas circulares.
Do fundo do túnel, no meio da luz esplendorosa, a voz do Senhor, Deus do Universo:
 “Vi, debaixo do sol, a injustiça ocupar o lugar do direito e a iniquidade ocupar o lugar da justiça.” Eclesiastes 3, 16.
 Mas... meu Senhor  responde, prostrado, amedrontado, o interpelado  “Todas as coisas têm o seu tempo, e tudo o que existe debaixo dos céus tem a sua hora.” Eclesiastes 3, 1.
 Então, meu filho, e não achas que já dura há tempo demais essa infelicidade que o povo sente? Por causa dessa crise, é o desemprego a alastrar, outros sem condições para trabalhar e ainda outros a furtar… e o pão na mesa a faltar, por não haver dinheiro para o comprar.
 Mas meu Senhor  responde já mais confiante  “não só de pão vive o homem”. Mateus 4,4. O que lhes falta é fé, porque até nem têm de que se queixar… com a nova lei de redução do teor do sal no pão, nem sequer vão comprar tanto, por isso o dinheiro vai chegar. E, depois, a medida de apoio às famílias, que vai ser implementada, não lhes diz nada?! E os ‘Magalhães’? Esta gente é muito ingrata! É bem certo! “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque.” Eclesiastes 7, 20.
 Bem…  replica Deus  “Há um mal que eu vi debaixo do sol, derivado de um desacerto da parte do soberano: O insensato ocupa os mais altos cargos, e os homens de valor são colocados nos postos inferiores.” Eclesiastes 10, 5-6. “Vi tudo isto e apliquei o meu espírito a considerar tudo o que se faz debaixo do sol, num tempo em que um homem domina outro homem para desgraça dele.” Eclesiastes 8, 9. E os vencimentos escandalosos e as reformas milionárias arrombam com as contas públicas e deixam o país debilitado, miserável.
 “Debaixo do sol a corrida não é para os ágeis, nem a batalha para os bravos, nem o pão para os prudentes, nem a riqueza para os inteligentes, nem o favor para os sábios: Todos estão à mercê das circunstâncias e da sorte.” Eclesiastes 9, 11.  Responde José sem temor.
Deus ganha fôlego e atira de novo:
 E porquê a proposta de legalização do casamento homossexual? Sabes o que foi dito: “Não coabitarás sexualmente com um varão; é uma abominação.” Levitico 18, 22. “Se um homem coabitar sexualmente com um varão cometeram ambos um acto abominável.” Levitico 20, 13.
 Ó Deus! “Também, se dormirem dois juntos, aquecer-se-ão mutuamente; mas um homem só, como se há-de aquecer?” Eclesiastes 4, 11.
Deus acha-o a atrever-se demasiado e avisa:
 “Não digas nada inconsideradamente nem o teu coração se apresse a proferir palavras diante de Deus que está no céu, e tu na terra; portanto sejam poucas as tuas palavras.” Eclesiastes 5, 1.
Sócrates, sem medo, avança:
 “As palavras calmas dos sábios são mais ouvidas que os gritos de um chefe entre os insensatos.” Eclesiastes 9, 17.
 “Segue os impulsos do teu coração e o que agradar aos teus olhos, mas sabe que, de tudo isso, Deus te fará prestar contas.” Eclesiastes 11, 9.
Assim rematou Deus vendo que, por agora, não tinha mais verbo para Sócrates e que, para este, a palavra é lei.

Não. Ainda não foi desta! Por agora, não seria a morte a ter algo para lhe ensinar.

No entanto, "Todos vão para um lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó." Eclesiastes 3,20.

E "O que é, já foi; e o que há-de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou." Eclesiastes 3, 15.

(M. Fa. R. - 20.03.2009)

22 março 2009

Março

Imagem de Elena Bondareva 

Março sorri numa sinfonia de tons. É mês de sol, do chilrear dos passarinhos, do despontar das flores e de pólen pelos ares. Nele há um equilíbrio de tamanho entre as noites e os dias. É ele que traz a Primavera; e até parece que faz o coração abrir-se mais aos amores. Qual tela pintada por mãos de artista, assim, em Março, o céu e a terra se revelam numa infinidade de cores e dons. Para mim é o mais belo – o mês em que nasci.  
M. Fa. R. (17.03.2009)

14 março 2009

Temporal

“Vem, dançamos?” 
“Pois, não! O prazer é meu.” 
Ele a enlaçou. 
E, no calor do abraço, 
A beijou. 
Ela mordeu, bateu, 
Arranhou. 
Ele riu, gargalhou. 
Ela chorou… 
Ferveu!

(M. Fa. R. - 07.03.2009)

05 março 2009

Um rosto?


O OLHAR, óleo s/tela Tenini (Teresinha Canini Avila)

Um rosto, uma promessa, uma esperança no olhar. Um deixar fluir a vida no embalo de um sorriso, na insegurança de uma sílaba mal articulada, de uma gaguez de palavras mal soletradas. Encantamento.
Quem suportará padecer de um encantamento e sobreviver? Quem soçobrará a uma réstia de calor que perpasse na retina, a um lampejo de fogo que ateie um resquício de lume mal inflamado? Um louco? Por pouco se desenha um eco que não o chegou a ser. E se sucumbe. Por pouco, muito pouco!
Até que chega o tempo, a hora, em que as inseguranças passam a ser apenas lembranças e, até estas, se desvanecem. Tarde amanhece o espanto da mão que não foi dada, da sombra que não passou de aparência, da pergunta que não chegou a ser formulada. E nem por isso se deixa de olhar sem ver, e de acreditar sem querer. Nem de crer que a alma derreta ao toque de um silêncio ou de uma trombeta. Por mais breve que seja o tempo da nota, ela não deixará de fazer a música, nem a melodia seria igual se ela lhe faltasse. Nem a vida seria a mesma sem o encantamento do amor.
Mas amor é a própria vida. Amor que se dá, amor que se traz, amor que se faz. Amor, sempre amor! São olhares, são palavras, são mãos, são braços, são abraços e beijos. E desejos. E também são lágrimas, soluços, ou sorrisos, ou só pensamentos, ou pressentimentos, ou apenas imagens, paisagens, miragens, ou aragens, ou uma ligeira brisa ou, talvez, ventania. Um vento no rosto. Um rosto.
Um rosto? Nem sempre o chega a ser!

(M. Fa. R. - 28.02.2009)

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