O “S” inconfundível espreita-lhe pela camisa aberta no peito enquanto ele chama o elevador. Este trepa, numa subida pachorrenta, até ao último piso do elefante branco. Finalmente a porta abre e ele entra, arrastando consigo a euforia de mais uma maratona de treino pelos ares:
– "Eu sou o Super-Homem, o maior da minha rua..."
O elevador inicia a descida, mas detém-se logo de seguida para dar entrada a mais uma célebre figura, de aparência embaciada, sorumbática ou, se calhar, sonolenta – era ainda madrugada:
– "Fiz tudo p´ra sobreviver, em nome da terra, no fundo p´ra te merecer."
– Oh, “encosta-te a mim, nós já vivemos cem mil anos.” – Tenta o primeiro socorrê-lo.
O semblante baço dá lugar a um espanto incrédulo, confuso – parece ver estrelas cadentes. Apalpa ali um calor nebuloso dentro do elevador que o faz temer a proximidade daquele ser de outro mundo.
– Oh, pá... serás tu aquele que faz 10 segundos daqui até à lua?
– "Não queiras ver quem eu não sou, deixa-me chegar."
– Chega-te para lá! – Defende-se inflamadamente.
– "Não desencantes os meus passos, faz de mim o teu herói."
Parecem cruzar-se ali os quatro elementos: move-se o ar ao encontro da terra; despeja-se o mar dos olhos de um no fogo dos olhos do outro.
– Muito bem, se me roubas as palavras, e se és mesmo esse herói, vais tratar do que tiver que ser!
– “Encosta-te a mim, talvez eu esteja a exagerar.”
– É que “eu venho do nada porque arrasei o que não quis em nome da estrada, onde só quero ser feliz.”
– Ah, percebo – responde o Super-Homem –, ser feliz… ser feliz é o que todos querem, nem que para isso ponham o mundo num caos, e depois cá está o Super-Homem para dar a volta à questão.
– E não é para isso que és o Super-Homem? Se tens poderes sobrenaturais tens mesmo é que ajudar as pessoas.
– Pois claro, enquanto souberem que existe um Super-Homem que as pode socorrer, fiam-se nele e perdem a noção da realidade, apelando aos seus poderes sobrenaturais. Mas afinal em que queres a minha ajuda?
– “Vai desarmar a flor queimada, vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.”
– Logo vi! E isso é o quê? O Orçamento do Estado, por acaso?... Ó meu amigo, isso já lá não vai nem com um Super-herói como eu!
E mal se abre a porta do elevador já o Super-Homem desapareceu.
(M. Fa. R. - 19.10.2010)