18 fevereiro 2010

O ódio e o amor

Cinquenta dias e uma hora depois de desafortunado lançamento que tanto pó levantou, eis que o senhor se dispôs a interpelar o autor da tragicomédia, mas sem se fazer anunciar nem por estrondosos trovões a ralhar, nem fazendo cair o céu à terra do meio daquela nuvem negra de pó que ainda não tinha assentado, mas apenas levemente num breve sussurro ao ouvido, Depois de velho perdeste o resto do pudor e o senso, ao que o interpelado, um tanto atrapalhado e aturdido, mas percebendo que voz era aquela que lhe falava e decidido a fazer-lhe frente, fez-se muito convencido de si, ainda que respondesse a seu modo meio atado, E que deus és tu que para enaltecer abel desprezas caim, Eu sou aquele que sou, que era, que está e que há-de vir, apontando-lhe com o dedo em riste, ouviste, enalteci abel, sim, mas não desprezei caim, antes o procurei reabilitar e avisar para não seguir aquele caminho de perdição, e tu porque tomas o partido de um assassino que mata o irmão, Ora, tu és um deus cruel, invejoso, insuportável que vens aqui atormentar-me a razão que é a minha moral, és um inútil que se esconde num manual de maus costumes, um catálogo de crueldade, do pior da natureza humana, que antes dos sete dias que durou a tua obra criadora não fizeste nada e depois disso nada mais fizeste. Perante esta dureza de coração do seu interlocutor, deus procura fazê-lo ver, Não, eu sou o senhor, um deus de amor, porque me nutres tu ódio de morte, por que estás irado, quando grande é o teu pecado e é imenso o clamor que chega até mim, eu desci para ver se as tuas obras correspondem realmente a esse clamor e estou a ver que sim, semeaste a difamação no meio de meu povo, quando lhe vendeste um mundo novo desenhado pelas tuas profanas mãos, agora só te poderá valer o poder da oração que por ti farão. Não havia mais nada a dizer. O escritor ficou baço e o senhor desapareceu antes que este desse um passo.
(M. Fa. R. - 16.12.2009)

17 comentários:

  1. Costuma dizer-se que do amor ao ódio vai um passo e a cada dia que passa penso que até pode ser verdade. Acho que andamos entre estes dois mundos, quer gostemos de o admitir ou não.

    lembra-me um poema que li em tempos que dizia:

    Pode até ser que entre o amor e o ódio
    Exista só um ínfimo espaço
    Neutro, amorfo, indiferente,
    Sem ternura nem mágoa
    Sem gritos nem silêncios
    Sem passado, sem futuro
    Nem sequer presente.

    Equilibro-me nesse ponto
    Sem alegria nem dor
    Sem lágrimas nem risos
    Sem vida nem morte
    Sem fatalidade nem sorte.

    Sobrevivo
    Entre a mentira e a verdade
    Do que foi e do que poderia
    Ter sido,
    Não fosse a mente do homem
    Um jogo complexo
    Como um vulgar puzzle
    Que não encaixa,
    Portanto,
    Sem nexo.

    Entre o amor e o ódio
    Nada morreu nem nasceu
    Descobri esse ponto
    Onde permaneço eu.

    Muito interessante, não achas? Bjs

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  2. Bom Dia Fá

    Difícil a percepção do ódio que foi transformado, em amor ofendido, a linha é tênue.
    Bem Vinícius de Moraes fala de uma linha que se passa quando estivemos em estado de amor
    “...
    De repente, não mais que de repente
    Fez-se de triste o que se fez amante
    E de sozinho o que se fez contente
    Fez-se do amigo próximo o distante
    Fez-se da vida uma aventura errante
    De repente, não mais que de repente.”

    Bjinhos e um bom final de semana pra vc

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  3. Olá Amiga Fa menor,

    Lindíssimo texto este que reflecte sobre o amor e o ódio. Parabéns.

    Isso transporta-nos até ao início dos tempos, em que a força da contracção existia num único ponto de energia.E a seguir à grande explosão a força de expansão foi de tal forma forte que produziu tudo o que existe. E vivemos sempre entre a força da expansão e a da contracção (o amor) e o ódio).

    E cada ser humano tem dentro de si estas duas forças e aquela que guiará o seu possuidor durante a vida, será aquela a quem for prestada toda a nossa atenção.

    Um grande abraço e Parabéns.

    José António

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  4. Um texto excelente para reflexão.
    Tudo está próximo...Amor e ódio.
    Que vença o Amor de Deus, sempre.
    Bjs.sinceros
    Mer

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  5. Fá,
    Vivemos num mundo onde há muitos "vendedores" de ilusões, e onde ainda há em maior número crentes que "compram" essas ilusões.
    Bjs.

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  6. ... embora reconheça que neste mundo as solicitações para que o mal prevaleça sobre o bem, desejo ardentemente que o amor triunfe sobre o ódio.

    Beijos.

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  7. TEXTO ESPECTACULAR E A MUSICA TAMBÉM...
    UM BOM MOMENTO DO MEU DIA FOI VIR AQUI...
    SUUUUUUUrrisinhos:)

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  8. O ódio, esse avesso do amor...
    Tantos são os "catálogos de crueldade" que andam a nos impingir.
    Obrigada pela reflexão!!!

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  9. *
    o ódio e o amor,
    tocam-se,
    o ódio é desprezível,
    como é perigoso o amor,
    o amor, conduz á paixão,
    a paixão á separação,
    a separação ao ódio ou
    ainda pior, á pena, ao dó !
    ,
    conchinhas, ficam,
    ,
    *

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  10. Por hj...
    "Podemos ser conhecedores com o conhecimento dos outros, mas não podemos ser sábios com a sabedoria dos outros"
    (Michel de Montaigne )

    Uma semente, um copo d’água, um abraço longo e um bom final de semana a vc

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  11. Todos os rios têm duas margens

    mas todos correm para o mar

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  12. Amar é viver! É ter vida própria, por mais desgraçada que ela possa ser.
    Odiar não é viver...
    escolha-se pois entre a vida e a não vida!

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  13. Fá, gostei muito de ver a sutileza do que vao do amor ao ódio. Lindo te ler! bjs, chica

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  14. O diálogo de seu texto ressalta o amor de Deus. E ficou muito lindo, a provocar reflexões sobre um inadmissível ódio. Bjs.

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  15. O Deus que criou os homens... versus o Deus pelos homens criado... Um diálogo, que vem expor a diferença...
    Belíssimo texto, Fá, que nos faz reflectir sobre esta matéria!
    Um beijinho, Fá! Um Bom Ano, com saúde, para si e todos os seus! E vamos esperar, que gradualmente este ano nos reconduza, para algo bem mais próximo da nossa anterior normalidade...
    Tudo de bom! Estimo que tenha passado o seu Natal, o melhor possível!
    Ana

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  16. Gostei muito de ler. Deixou-me em reflexão.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .
    Abraço

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  17. Acho a história bíblica muito perturbadora...
    Há muita coisa a refletir... Afinal Deua criou ou não criou o homem à sua imagem?!
    Penso que Caim foi martirizado e desafiado até ao limite.
    Desde menina, Caim despertou-me sempre piedade...
    Beijinhos, Fá.
    ~~~~~

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«a vida, a meu ver, é polarizada entre a prosa – ou seja, as coisas que fazemos por obrigação, que não nos interessam, para sobreviver – e a poesia – o que nos faz florescer, o que nos faz amar, comunicar. E é isso que é importante.»
(Edgar Morin)
.
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