Cinquenta dias e uma hora depois de desafortunado lançamento que tanto pó levantou, eis que o senhor se dispôs a interpelar o autor da tragicomédia, mas sem se fazer anunciar nem por estrondosos trovões a ralhar, nem fazendo cair o céu à terra do meio daquela nuvem negra de pó que ainda não tinha assentado, mas apenas levemente num breve sussurro ao ouvido, Depois de velho perdeste o resto do pudor e o senso, ao que o interpelado, um tanto atrapalhado e aturdido, mas percebendo que voz era aquela que lhe falava e decidido a fazer-lhe frente, fez-se muito convencido de si, ainda que respondesse a seu modo meio atado, E que deus és tu que para enaltecer abel desprezas caim, Eu sou aquele que sou, que era, que está e que há-de vir, apontando-lhe com o dedo em riste, ouviste, enalteci abel, sim, mas não desprezei caim, antes o procurei reabilitar e avisar para não seguir aquele caminho de perdição, e tu porque tomas o partido de um assassino que mata o irmão, Ora, tu és um deus cruel, invejoso, insuportável que vens aqui atormentar-me a razão que é a minha moral, és um inútil que se esconde num manual de maus costumes, um catálogo de crueldade, do pior da natureza humana, que antes dos sete dias que durou a tua obra criadora não fizeste nada e depois disso nada mais fizeste. Perante esta dureza de coração do seu interlocutor, deus procura fazê-lo ver, Não, eu sou o senhor, um deus de amor, porque me nutres tu ódio de morte, por que estás irado, quando grande é o teu pecado e é imenso o clamor que chega até mim, eu desci para ver se as tuas obras correspondem realmente a esse clamor e estou a ver que sim, semeaste a difamação no meio de meu povo, quando lhe vendeste um mundo novo desenhado pelas tuas profanas mãos, agora só te poderá valer o poder da oração que por ti farão. Não havia mais nada a dizer. O escritor ficou baço e o senhor desapareceu antes que este desse um passo.
(M. Fa. R. - 16.12.2009)
18 fevereiro 2010
17 comentários:
«a vida, a meu ver, é polarizada entre a prosa – ou seja, as coisas que fazemos por obrigação, que não nos interessam, para sobreviver – e a poesia – o que nos faz florescer, o que nos faz amar, comunicar. E é isso que é importante.»
(Edgar Morin)
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Costuma dizer-se que do amor ao ódio vai um passo e a cada dia que passa penso que até pode ser verdade. Acho que andamos entre estes dois mundos, quer gostemos de o admitir ou não.
ResponderEliminarlembra-me um poema que li em tempos que dizia:
Pode até ser que entre o amor e o ódio
Exista só um ínfimo espaço
Neutro, amorfo, indiferente,
Sem ternura nem mágoa
Sem gritos nem silêncios
Sem passado, sem futuro
Nem sequer presente.
Equilibro-me nesse ponto
Sem alegria nem dor
Sem lágrimas nem risos
Sem vida nem morte
Sem fatalidade nem sorte.
Sobrevivo
Entre a mentira e a verdade
Do que foi e do que poderia
Ter sido,
Não fosse a mente do homem
Um jogo complexo
Como um vulgar puzzle
Que não encaixa,
Portanto,
Sem nexo.
Entre o amor e o ódio
Nada morreu nem nasceu
Descobri esse ponto
Onde permaneço eu.
Muito interessante, não achas? Bjs
Bom Dia Fá
ResponderEliminarDifícil a percepção do ódio que foi transformado, em amor ofendido, a linha é tênue.
Bem Vinícius de Moraes fala de uma linha que se passa quando estivemos em estado de amor
“...
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.”
Bjinhos e um bom final de semana pra vc
Olá Amiga Fa menor,
ResponderEliminarLindíssimo texto este que reflecte sobre o amor e o ódio. Parabéns.
Isso transporta-nos até ao início dos tempos, em que a força da contracção existia num único ponto de energia.E a seguir à grande explosão a força de expansão foi de tal forma forte que produziu tudo o que existe. E vivemos sempre entre a força da expansão e a da contracção (o amor) e o ódio).
E cada ser humano tem dentro de si estas duas forças e aquela que guiará o seu possuidor durante a vida, será aquela a quem for prestada toda a nossa atenção.
Um grande abraço e Parabéns.
José António
Um texto excelente para reflexão.
ResponderEliminarTudo está próximo...Amor e ódio.
Que vença o Amor de Deus, sempre.
Bjs.sinceros
Mer
Fá,
ResponderEliminarVivemos num mundo onde há muitos "vendedores" de ilusões, e onde ainda há em maior número crentes que "compram" essas ilusões.
Bjs.
... embora reconheça que neste mundo as solicitações para que o mal prevaleça sobre o bem, desejo ardentemente que o amor triunfe sobre o ódio.
ResponderEliminarBeijos.
TEXTO ESPECTACULAR E A MUSICA TAMBÉM...
ResponderEliminarUM BOM MOMENTO DO MEU DIA FOI VIR AQUI...
SUUUUUUUrrisinhos:)
O ódio, esse avesso do amor...
ResponderEliminarTantos são os "catálogos de crueldade" que andam a nos impingir.
Obrigada pela reflexão!!!
*
ResponderEliminaro ódio e o amor,
tocam-se,
o ódio é desprezível,
como é perigoso o amor,
o amor, conduz á paixão,
a paixão á separação,
a separação ao ódio ou
ainda pior, á pena, ao dó !
,
conchinhas, ficam,
,
*
Por hj...
ResponderEliminar"Podemos ser conhecedores com o conhecimento dos outros, mas não podemos ser sábios com a sabedoria dos outros"
(Michel de Montaigne )
Uma semente, um copo d’água, um abraço longo e um bom final de semana a vc
Todos os rios têm duas margens
ResponderEliminarmas todos correm para o mar
Amar é viver! É ter vida própria, por mais desgraçada que ela possa ser.
ResponderEliminarOdiar não é viver...
escolha-se pois entre a vida e a não vida!
Fá, gostei muito de ver a sutileza do que vao do amor ao ódio. Lindo te ler! bjs, chica
ResponderEliminarO diálogo de seu texto ressalta o amor de Deus. E ficou muito lindo, a provocar reflexões sobre um inadmissível ódio. Bjs.
ResponderEliminarO Deus que criou os homens... versus o Deus pelos homens criado... Um diálogo, que vem expor a diferença...
ResponderEliminarBelíssimo texto, Fá, que nos faz reflectir sobre esta matéria!
Um beijinho, Fá! Um Bom Ano, com saúde, para si e todos os seus! E vamos esperar, que gradualmente este ano nos reconduza, para algo bem mais próximo da nossa anterior normalidade...
Tudo de bom! Estimo que tenha passado o seu Natal, o melhor possível!
Ana
Gostei muito de ler. Deixou-me em reflexão.
ResponderEliminar.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.
Abraço
Acho a história bíblica muito perturbadora...
ResponderEliminarHá muita coisa a refletir... Afinal Deua criou ou não criou o homem à sua imagem?!
Penso que Caim foi martirizado e desafiado até ao limite.
Desde menina, Caim despertou-me sempre piedade...
Beijinhos, Fá.
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