20 fevereiro 2011

A Caixa


O rapaz espiolhava a caixa de cartão com gestos nervosos. Lá dentro, um pedaço de dor aprisionado. Todos os dias a mesma coisa: a mesma inquietação, o mesmo cansaço. E a mesma indecisão a roubar-lhe o ânimo. E o medo a espetar-se-lhe como injectável de penicilina a que era alérgico. Um antídoto: precisava urgentemente de um antídoto. Sabia o veneno a espalhar-se rapidamente em espasmos irracionais, incontroláveis. E cerrou com força os olhos; contornou a torneira do pânico; tapou a caixa. Era melhor esperar amanhã. Amanhã é sempre outro dia.
Mas amanhã não lhe traria surpresas. Ou, quem sabe, trouxesse… mas não a liberdade. A liberdade era ali cúmplice da coacção. E o corpo, uma cela de prisão. E a frustração uma arma que a própria mão atira ao peito, à traição. E então, a infidelidade toma forma quando repetidamente pensada.
Os homens são todos iguais. Assim como as mulheres. Eles iguais a eles; elas iguais a elas.
Mas a fidelidade também está aí: em ser-se igual aos homens se se é homem; e igual às mulheres se se é mulher. Caramba: um homem é um homem! (E um bicho é um gato). Tomou, por fim, a decisão: não voltaria a ser fiel. Na caixa de cartão, os sapatos de Cinderela esperavam a hora de o fazer sentir a mais bela.

(M. Fa. R. - 30.11.2010)

16 comentários:

  1. Olá, boa noite, como está!

    Depois duma prolongada e forçada ausência

    aqui estou de novo

    a visitar os amigos.

    Saudações minhas

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  2. Fa
    Lindo... mas cheio de contradições
    este texto.
    Gosto muito do que escreves.

    Estamos a preparar a caminhada
    Quaresma-Páscua 2011, alinhas connosco?
    o trilho é : "Firma teus Passos. Afirma tua Fé"
    Beijinhos
    Utilia

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  3. enfim este texto é mesmo como aquela famosa expressão: todos diferentes,todos iguais.... beijos!

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  4. A questão não são as contradições

    a questão é resolvê-las

    Bem desenhado o seu texto

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  5. E assim saíu do "armário"!

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  6. Um texto muito interessante, com uma história que mostra o mundo de contradições que somos...
    Um beijo.

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  7. A vida é assim cheia de contradições...
    Bjs

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  8. contraditorio...

    fim imprevisto...

    gostei!

    boa semana

    beij

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  9. A felicidade está em tantas coisas... a arte é saber ser feliz com elas.
    Belíssimo texto. Gostei muito, querida amiga.
    Boa semana. Beijos.

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  10. Diferenças que marcam presenças...
    gostei...como sempre!

    (desculpa a minha ausência
    ando, por aqui mais para ler do que para escrever...e vou comentando quando o tempo vai sobrando!) ;)

    Bjinhos

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  11. Há contradições que resultam de fragilidades inerentes à condição humana de errar. Há porém outras que nos deixam expostas à critica fácil. Por isso vale sempre a pena fazer um esforço para ser coerente!


    Beijos,
    AL

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  12. Olá, Fa

    Eis-me neste seu outro blog.Aqui a escrita é diferente, mas não menos interessante. Questiona aspectos da condição humana e a própria liberdade de ser aquilo para que estamos destinados ou em que acreditamos.Um bom texto, com "suspense", e uma conclusão imprevisível.
    Bjo
    Olinda

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  13. Olá Fá,
    Um texto muito bem escrito.
    Subscrevo inteiramente o comentário de A.S.
    Continuação de bom Domingo.
    Beijinhos da
    Ailime

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  14. Assumir-se é muito doloroso porque a sociedade, tão imperfeita, condena, aparentemente é um sim com a cabeça mas um não com o coração. Nesta história não existem contradições e muito menos defeitos. Acontece medo, desassossego, dúvidas, receios! Felizmente, trouxeste este texto, tão atual. Apontar o dedo aos outros é fácil, olhar para o que acontece entre quatro paredes, nas barbas, isso já não!
    Amiga, foi bom ter estado aqui.
    Beijinhos

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  15. Sorrisos...

    Muito bem contado e interessante... Beijinhos
    ~~~~~~~~~~~~

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  16. En estos tiempos se trata de enseñar ideas que supuestamente harán sentir mejor a las personas por el solo hecho de ser... Mucha confusión y desorden, al final nadie sabrá que camino real seguir...
    Abrazo

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«a vida, a meu ver, é polarizada entre a prosa – ou seja, as coisas que fazemos por obrigação, que não nos interessam, para sobreviver – e a poesia – o que nos faz florescer, o que nos faz amar, comunicar. E é isso que é importante.»
(Edgar Morin)
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