Uma caixa de fósforos e meio litro de petróleo; um quilo de prego de meio solho e de ripa, misturados; um pacote de cloreto e um quarto de quilo de sabão azul; um pacote de massa de meada; meio quilo de açúcar amarelo. Com conta, peso e medida. Os rebuçados quase todos. Sem conta nem medida.
Foi assim uma tarde inteira atrás do balcão da loja. E um enorme ralho furioso do pai.
Aos poucos, o pai foi-lhe confiando a loja. Desde pequenina foi aprendendo e ajudando e, depois, quando o pai a sentiu preparada, para além de aviar os fregueses, passou a anotar as faltas de mercadoria e a fazer as encomendas aos vendedores quando o pai não estava; conferia, também, a mercadoria que os viajantes iam entregar e arrumava-a nas prateleiras; e, ainda, tinha ao seu encargo o registo das facturas das compras no livro.
Naquela tarde, o pai teve que sair e ela ficou sozinha a tarde toda, como noutras vezes. Até se desenrascou bem… só com os rebuçados é que correu mal.
– O frasco dos rebuçados está quase vazio porquê?
– Vendi-os…
– E onde é que está o dinheiro? – perguntou o pai, de gaveta aberta, depois de conferir as vendas que ela tinha anotado.
Foi apanhada. E teve que dizer toda a verdade, que era só uma: tinha-os dado à Nelita, à São e à Fernanda.
A voz do pai ecoou pela loja inteira e, decerto, pela rua além. Encolheu-se com medo de que a trovoada trouxesse chuva, mas a nuvem negra passou ao lado e escapou daquela. Não escaparia de uma próxima, deixou o pai prometido. Mas “não acontecerá mais”, também ela deixou prometido.
Daquela vez, as amigas conseguiram levá-la à certa quando lá foram chamá-la para jogar à macaca com elas. Como lhes disse que não podia sair, encostaram-se ao balcão a dizerem que, então, tinha que lhes dar rebuçados para as compensar; e voltaram mais vezes, com falinhas mansas, a pedir sempre mais.
Mas não voltaria a cair noutra, porque viu como foi palerma ao deixar-se levar na pedinchice delas e no que elas lhe diziam. Afinal, se elas gostassem dela, como ela gostava delas e, ainda mais, sendo duas mais velhas do que ela, não teriam ousado abusar da sua bondade e fraqueza, agindo daquela maneira, só pensando nelas e nada na amiga.
Excelente conto, Fa.
ResponderEliminarPostei a notícia sobre um concurso de conto infantil. Quer lá ir ver?
Bj
Olinda
Amigas da onça, é o que elas eram...
ResponderEliminarBeijos, querida amiga.
Amigas sabidonas!
ResponderEliminarBjs
A vida vai-nos ensinando como neste micro conto irrepreensível de conteúdo!
ResponderEliminarBeijos,
Ó amiga Fá,
ResponderEliminarUma delícia ler os seus contos.
Para além de apreciar a sua escrita como tenho referido sinto-me transportada à minha infância de doces carinhos mas numa época em que as minhas amigas (?) eram como as da história:)).
Beijinhos e muito obrigada.
Ailime
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ResponderEliminaramigos 110 ou talvez mais,
etc, etc, etc.
,
poema de Camilo C. Branco
,
conchinhas, ficam,
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Fa
ResponderEliminarUm conto que encaixa tanto no contexto actual dos (des)afectos, sobretudo, da (des)amizade.
Beijinho
um conto delicioso.
ResponderEliminar(acho já tinha comentado.mas nao sei onde anda o coment.)
um beij
São das tais amigas que a ninguém interessam....Amizade????
ResponderEliminarGostei deste texto
Bom domingo
Beijito da Gota
Por vezes acontece..... Amigos desses..... só longe.
ResponderEliminarBom fim de semana
Que conto lindo. Nunca conseguirei escrever assim tão fantástico .
ResponderEliminarAbraços
Oportunistas! O mundo está cheio de gente assim! Que se aproveita da generosidade dos outros.
ResponderEliminarAté um dia destes.
Amigas? Não, há quem goste de se aproveitar da generosidade alheia. Um ótimo conto. bjs
ResponderEliminar"Amizades" interesseiras... assim é que vamos aprendendo a distingui-las das verdadeiras... que não carecem de benefícios...
ResponderEliminarMais um texto adorável, que foi um gosto imenso apreciar, Fá!
Beijinhos!
Ana
Muito interessante este texto.
ResponderEliminarArthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com
El amor y la amistad es aceptación y cariño te mando un beso
ResponderEliminarAmigas?
ResponderEliminarNossa, fiquei até com raiva das 'amigas',
isso prova que seu belo conto bateu aqui, de verdade!
E se bate na nossa sensibilidade é porque atingiu o objetivo!
Adorei, Fá!
Beijinho.